Não terá acontecido muitas vezes, mas este ano não há Magusto da Velha em Aldeia Viçosa (Guarda) devido à pandemia da Covid-19. No entanto, a tradição vai ser cumprida de forma inédita, uma vez que «a Velha será levada a casa de cada habitante» da aldeia do Vale do Mondego, anunciou a Junta de Freguesia.
A decisão foi tomada pela autarquia local, que justifica a medida por esta tradição secular realizada a 26 de dezembro ser a «festa dos ajuntamentos por excelência». Ano após ano, centenas de pessoas juntam-se no adro da igreja, junto ao madeiro, para apanhar as castanhas lançadas da torre sineira da igreja matriz e/ou ser “vítima” das tradicionais cavaladas – que consistem em saltar para as costas de quem se baixa para apanhar castanhas. A tradição é também um momento de confraternização de famílias e amigos numa altura em que à aldeia regressam inúmeros filhos da terra para as festividades natalícias. Luís Prata, presidente da Junta, sublinha que a decisão foi tomada «de forma responsável» e tendo em conta as restrições determinadas pelo Governo e a Direção-Geral da Saúde (DGS) de proibição dos ajuntamentos na via pública.
Em alternativa, e sob o lema “Se o povo não pode ir à Velha, a Velha irá ao povo”, a localidade, em colaboração com a Câmara da Guarda, decidiu organizar um evento mais recatado, a bem da saúde de todos, em que a Velha levará a cada casa de Aldeia Viçosa castanhas e vinho, num cortejo criado pela Associação Hereditas, da Guarda, para cumprir a tradição. «Caberá a cada um rezar o “Padre-nosso” pela alma da Velha», adiantam os promotores. Luís Prata adianta que tinha previsto para este ano a revelação de «descobertas surpreendentes» sobre o Magusto da Velha e a sua benfeitora, conseguidas na Torre do Tombo.
«Há documentação que sugere que o episódio que dá origem a esta tradição remonta ao século XIV. Recordamos que, em 1698, o Padre António Meireles, na sua função de recolher os “Usos e Costumes desta Paróquia”, já testemunhava por escrito a existência do evento. Já nessa altura o nome da Velha se tinha perdido na memória dos tempos, o que condiz com as teorias dos historiadores que situam o evento séculos antes desta data», refere o presidente da Junta, que se escusa a revelar mais pormenores sobre o que foi descoberto.
Este ano, a Junta tinha também programado uma homenagem a personalidades beneméritas para freguesia nos últimos anos, cerimónia que foi adiada para o próximo Magusto da Velha. Em 2021 poderão ainda ser apresentadas algumas conclusões sobre a candidatura do Magusto da Velha a património imaterial, projeto que adstrito à candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura em 2027.
Reza a lenda que uma Velha muito abastada e proprietária da grande “Quinta do Lagar de Azeite”, na povoação de Porco – a antiga denominação de Aldeia Viçosa –, deixou um testamento a favor da paróquia no qual havia a “obrigaçom” de distribuir castanhas (o alimento principal à época) e vinho ao povo. Em troca, os habitantes tinham que rezar «um Padre Nosso» na igreja pela sua alma no dia a seguir ao Natal. Desde então, a 26 de dezembro, depois de uma missa “pela alma da Velha” são lançados da torre da igreja 150 quilos de castanhas e distribuídos 50 litros de vinho pelo povo.