“Estamos sós com tudo aquilo que amamos” (Novalis)
Respiramos e estamos sós. Uma floresta desconhecida a passar em frente ao nosso olhar. Leva consigo a urgência de se mostrar a mais alguém. Ainda assim amamos o que da sua passagem conseguimos reter. Queremos estar dentro dessa floresta. Caminhar com a lentidão de quem absorve a dança das folhas em dias de vento breve. Sentir uma outra forma de silêncio. Que chegue como um fulgor e nos assalte nessa leveza de habitar a terra. Não sabemos se é nostalgia ou solidão. Às vezes dói. Porque estamos sós. Porque procuramos a solidão e a queremos apenas nossa.
A voz que deixámos de ouvir ainda nos perfuma a pele. Escutamo-la de forma diferente consoante a estação do ano. Numa dança rotativa deixamos que o sol ou o ar gélido nos queime. Não sabemos qual a diferença entre uma e outra queimadura. Terá essa voz o poder de preencher ainda as nossas artérias e romper o magma que barra o sangue? Somos uma taça a transbordar de espessa saudade. Desejamos tocar-lhe, meter os dedos nessa espessura. Chamamos pelo seu nome. Estamos sós.
Montamos um telescópio no terraço. A lua está em crescente. Observamo-la pela metade. Sentimos o frio nas suas crateras. Estão tão próximas que quase conseguiriam dar as mãos. Mas não perguntam como se sentem nem se convidam para ir ver o mar da tranquilidade. Uma força estranha move a terra e obriga-nos a posicionar o telescópio. Somos bolhas de ar espantadas num imenso desassossego. Procuramos um mar. Qualquer que seja esse mar. Ardemos, desconhecendo que ardemos, e rebentamos o riso. Havemos de ter sempre connosco a melancolia da lua.
O diafragma vai descendo rápidos em caiaques. Uma fragilidade bonita atira-nos agora para danças inaugurais. E volteamos sabendo que ninguém nos observa. Outras vezes procuramos que reparem em nós. Que olhem o magnetismo que se descola, ora leve ora violento, e todos os gestos com que sacudimos a negritude. A sombra pode tomar a forma de uma bifurcação. A não ser que alguma fresta de luz lhe bata no ombro. Então, chamamos pelos nomes que habitam a terra. O eco nem sempre nos repete.
Levamos um livro para a montanha. Procuramos o ponto mais alto de onde se subjugue o mundo. Ali o abrimos. Colhemos frutos e raízes. Somos o Homem primitivo. Temos em nós a espiritualidade inicial. Levantamos uma nova civilização. Mas acabamos por reconhecer o que sempre suspeitámos – somos únicos e estamos sós. Ainda que amemos os objectos e os seres e a imaterialidade. Ainda que nos amem e nada nem ninguém saiba o que é o amor.
Antes de acender a noite havemos de encontrar o alimento para a vida. A água onde sempre vamos buscar os braços da infância. Neles escondemos as ânforas onde voltaremos sempre que a sede nos toque. Irradia uma leve cintilação como a vida a demorar-se nesse instante. Temos saudade de casa. É então que regressamos a Novalis – “A poesia é o real absoluto (…) Quanto mais poético, mais verdadeiro”.
Mesmo dentro da solidão, não é a verdade que sempre buscamos?
* A autora escreve de acordo com a antiga ortografia