No passado dia 11 de novembro, a polícia foi chamada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e 4 estudantes foram detidas, pela simples razão de estarem a lutar pelo futuro do planeta e de toda a Humanidade. Eu sou uma das pessoas que foram retiradas à força nessa noite.
O diretor da Faculdade optou por silenciar à força um protesto pacífico realizado por estudantes do próprio estabelecimento, recorrendo a métodos que fizeram muita gente tremer e lembrar-se de tempos em que o povo português vivia sob o jugo da ditadura e de todo o aparelho repressivo que esta possuía.
Miguel Tamen justifica-se com uma suposta perturbação do normal funcionamento da Faculdade. No entanto, a sua decisão foi claramente arbitrária, uma vez que o nosso grupo já estava a ocupar o espaço e a dinamizar atividades desde segunda-feira dessa semana. Face a tal justificação, perguntamos: se esta fosse a sua verdadeira preocupação, onde estava a polícia de choque nos quatro dias anteriores?
Perante uma decisão por parte da direção desta natureza, que resultou em quatro detenções, e confrontados com a possibilidade de nos silenciarmos, só conseguimos ver uma resposta possível: continuar a lutar. Temos de continuar, porque esta causa é maior que qualquer uma de nós e não será nunca silenciada; esta causa é mais importante que qualquer apego cego e ingénuo a uma ilusão de normalidade: como já disseram antes de mim, a nossa casa está a arder!
Ninguém espera que uma família mantenha calmamente a rotina quotidiana enquanto o seu lar arde e as suas hipóteses de sobrevivência diminuem a cada segundo que passa. Então porque é que exigem de nós calma, silêncio e respeito absoluto pelas normas, quando o lar de todas nós está a caminhar a passos largos para uma catástrofe?
Foi por todos estes motivos — a necessidade de demonstrar que lutar pelo clima não é crime, e o imperativo de não deixar passar em branco a entrada da polícia numa faculdade — que, na segunda-feira, dia 14, não aceitámos a suspensão provisória do processo, uma proposta feita pelo Ministério Público que permite “arrumar” o caso em troca de serviço comunitário. Não vamos permitir que simplesmente varram este caso para debaixo de um metafórico tapete legal e pensem que está resolvido. Aceitar a suspensão seria pôr um ponto final a uma discussão que está longe de terminar e impedir-nos legalmente de continuarmos a reivindicar um futuro melhor sem consequências legais ilegítimas.
Ilegítimas, sim, porque todo este processo se trata de uma acusação injusta baseada numa perspetiva puramente legal que propositadamente ignora todo o contexto social e político daquilo que aconteceu. Acusam-nos de desobediência civil, mas qual é a legitimidade das ordens que nos foram dadas? Qual é a legitimidade de um sistema que nos impede de lutarmos pelo nosso futuro?
Faço parte deste grupo de estudantes a lutar pacificamente pelo bem comum, tentando assegurar um melhor futuro mesmo para quem nos tenta silenciar. Para além disso, a nossa luta está baseada num consenso científico mundial que a própria ONU reconhece e subscreve. Ainda que muitos continuem a querer desvalorizar a importância destes fatores, as conclusões, infelizmente, vão-se materializando por todo o mundo com cada vez mais frequência e intensidade, desde as cheias que afetam milhões no Paquistão, às ondas de calor que mataram mais de dez mil pessoas no verão passado, só na Europa.
Sabemos que a nossa detenção e consequente acusação é uma tentativa de criminalizar uma luta social urgente e relevante. Se lutar pelo clima é crime, então estamos a passar também um atestado de criminalidade ao movimento sufragista, a Stonewall, ao maio de 68, à luta contra o Apartheid, ao movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, bem como a todas as outras lutas sociais que nos dizem terem sido justas e fundamentais.
Decidimos avançar para julgamento, porque permanecer caladas não era (nem nunca será) uma opção.
Mateus Lopes
* Artigo publicado no site do “Expresso”. Estudante na Faculdade de letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e ativista no movimento Fim ao Fóssil: Ocupa!