Lutar pelo clima não é crime

Escrito por Mateus Lopes

“Ainda que muitos continuem a querer desvalorizar a importância destes fatores, as conclusões, infelizmente, vão-se materializando por todo o mundo com cada vez mais frequência e intensidade, desde as cheias que afetam milhões no Paquistão, às ondas de calor que mataram mais de dez mil pessoas no verão passado, só na Europa.”

No passado dia 11 de novembro, a polícia foi chamada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e 4 estudantes foram detidas, pela simples razão de estarem a lutar pelo futuro do planeta e de toda a Humanidade. Eu sou uma das pessoas que foram retiradas à força nessa noite.
O diretor da Faculdade optou por silenciar à força um protesto pacífico realizado por estudantes do próprio estabelecimento, recorrendo a métodos que fizeram muita gente tremer e lembrar-se de tempos em que o povo português vivia sob o jugo da ditadura e de todo o aparelho repressivo que esta possuía.
Miguel Tamen justifica-se com uma suposta perturbação do normal funcionamento da Faculdade. No entanto, a sua decisão foi claramente arbitrária, uma vez que o nosso grupo já estava a ocupar o espaço e a dinamizar atividades desde segunda-feira dessa semana. Face a tal justificação, perguntamos: se esta fosse a sua verdadeira preocupação, onde estava a polícia de choque nos quatro dias anteriores?
Perante uma decisão por parte da direção desta natureza, que resultou em quatro detenções, e confrontados com a possibilidade de nos silenciarmos, só conseguimos ver uma resposta possível: continuar a lutar. Temos de continuar, porque esta causa é maior que qualquer uma de nós e não será nunca silenciada; esta causa é mais importante que qualquer apego cego e ingénuo a uma ilusão de normalidade: como já disseram antes de mim, a nossa casa está a arder!
Ninguém espera que uma família mantenha calmamente a rotina quotidiana enquanto o seu lar arde e as suas hipóteses de sobrevivência diminuem a cada segundo que passa. Então porque é que exigem de nós calma, silêncio e respeito absoluto pelas normas, quando o lar de todas nós está a caminhar a passos largos para uma catástrofe?
Foi por todos estes motivos — a necessidade de demonstrar que lutar pelo clima não é crime, e o imperativo de não deixar passar em branco a entrada da polícia numa faculdade — que, na segunda-feira, dia 14, não aceitámos a suspensão provisória do processo, uma proposta feita pelo Ministério Público que permite “arrumar” o caso em troca de serviço comunitário. Não vamos permitir que simplesmente varram este caso para debaixo de um metafórico tapete legal e pensem que está resolvido. Aceitar a suspensão seria pôr um ponto final a uma discussão que está longe de terminar e impedir-nos legalmente de continuarmos a reivindicar um futuro melhor sem consequências legais ilegítimas.
Ilegítimas, sim, porque todo este processo se trata de uma acusação injusta baseada numa perspetiva puramente legal que propositadamente ignora todo o contexto social e político daquilo que aconteceu. Acusam-nos de desobediência civil, mas qual é a legitimidade das ordens que nos foram dadas? Qual é a legitimidade de um sistema que nos impede de lutarmos pelo nosso futuro?
Faço parte deste grupo de estudantes a lutar pacificamente pelo bem comum, tentando assegurar um melhor futuro mesmo para quem nos tenta silenciar. Para além disso, a nossa luta está baseada num consenso científico mundial que a própria ONU reconhece e subscreve. Ainda que muitos continuem a querer desvalorizar a importância destes fatores, as conclusões, infelizmente, vão-se materializando por todo o mundo com cada vez mais frequência e intensidade, desde as cheias que afetam milhões no Paquistão, às ondas de calor que mataram mais de dez mil pessoas no verão passado, só na Europa.
Sabemos que a nossa detenção e consequente acusação é uma tentativa de criminalizar uma luta social urgente e relevante. Se lutar pelo clima é crime, então estamos a passar também um atestado de criminalidade ao movimento sufragista, a Stonewall, ao maio de 68, à luta contra o Apartheid, ao movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, bem como a todas as outras lutas sociais que nos dizem terem sido justas e fundamentais.
Decidimos avançar para julgamento, porque permanecer caladas não era (nem nunca será) uma opção.

Mateus Lopes
* Artigo publicado no site do “Expresso”. Estudante na Faculdade de letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e ativista no movimento Fim ao Fóssil: Ocupa!

Sobre o autor

Mateus Lopes

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