Género geral

“Acredito que quem sente verdadeiramente a árdua realidade da disforia de género precisa de protecção e atenção. Mas a definição mais simplista de não se identificar ou não se sentir bem no seu corpo é a própria definição de adolescência. Digam-me um adolescente que goste do seu corpo e eu mostro-vos um gabarola e um mentiroso.”

Foi aprovado no parlamento uma lei sobre auto-determinação de género nas escolas. É óbvio que a questão é mais complexa do que a utilização de balneários e casas de banho, mas nesta coluna há muito que ficou decidido deixar a complexidade à porta, como se faz numa casa de banho quando está ocupada.
A minha estranheza com esta lei não tem nada a ver com o uso de roupas e de espaços diferenciados para rapazes e raparigas. Por mim, podem todos vestir o que quiserem e entrarem onde lhes apetecer.
Alguns defensores desta lei dizem que é uma simples questão de direitos humanos, mas isso já nós dizíamos em meados dos anos 80 e 90, quando queríamos ir aos balneários e às residências uns dos outros e não nos deixavam.
O que não entendo é a ideia de autodeterminação. Na adolescência? Se a garotada às vezes está tempos infindos para decidir o hambúrguer que vai comer, não sei se está assim tão capacitada para escolher o género que quer assumir. Durante séculos, pediu-se aos adultos que assumissem a responsabilidade pela educação dos mais novos, o que incluía algumas decisões difíceis e outras parvas. Nessa altura, chamava-se crescer. De repente, os adultos saem de cena e deixam as crianças sozinhas numa selva de decisões, entre a série da Netflix e a identidade. O contraponto à educação salazarista não precisava de ser a emulação do “Senhor das Moscas”.
Acredito que quem sente verdadeiramente a árdua realidade da disforia de género precisa de protecção e atenção. Mas a definição mais simplista de não se identificar ou não se sentir bem no seu corpo é a própria definição de adolescência. Digam-me um adolescente que goste do seu corpo e eu mostro-vos um gabarola e um mentiroso.
Os bons rousseaunianos acreditam na bondade do carácter da natureza humana, e que ninguém se aproveitará desta possibilidade de escolha para proveitos mesquinhos. Quem escreveu esta lei com certeza nunca espatifou joelhos para espreitar a uma janela. Durante séculos, adolescentes sacrificaram golpes e fracturas para conseguir olhar, nem que fosse por uns segundos, para dentro do balneário onde não podem entrar.
Para estes bons e crédulos espíritos progressistas, os adolescentes são anjinhos celestiais e intrépidos amantes da aventura. Por isso, acreditam que nem um trocará o risco de trepar um muro pela facilidade de uma declaração na secretaria.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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