Cara a Cara

«Aposto no BTT para ir um pouco mais além na carreira desportiva»

Francisco Moreira
Escrito por Efigénia Marques

P – Por que decidiu dedicar-se ao BTT após várias épocas no ciclismo de estrada?
R – Este ano não me foi possível a colocação em nenhuma equipa profissional de ciclismo de estrada. Chega um momento em que um ciclista deseja fazer a Volta ao Algarve, a Volta a Portugal e outras corridas de renome internacional. Nestas circunstâncias isso não me seria possível concretizar. Decidi apresentar este projeto ao grupo BTT de Manteigas, que conta mais de duas décadas a promover a modalidade. Com a exceção do Tiago Ferreira, não existe outro projeto do género em Portugal focado nas maratonas a nível internacional. Foi com esse intuito que o criei e para me proporcionar ir um pouco mais além na carreira desportiva.

P – É difícil ser profissional sendo alguém do interior? E agora no BTT?
R – No ciclismo de estrada é muito complicado. Vivemos, literalmente, fora dos grandes centros de decisão, do mundo empresarial, “atrás do sol-posto”, onde o desporto de eleição continua a ser o futebol. O ciclismo português é formado por um grupo restrito de ciclistas, principalmente do Norte do país, que treinam e convivem todos juntos e, não fazendo parte desse grupo, somos postos de lado e impedidos de partilhar determinadas ambições. Estamos longe. No BTT, é um pouco mais fácil porque é um desporto mais individual e não dependemos de uma equipa, apenas do nosso esforço.

P – É um projeto individual, com que apoios conta? É suficiente para ser competitivo?
R – Apesar dos grandes patrocinadores estarem nos grandes centros urbanos, temos sempre pequenas empresas (de amigos) e instituições que confiam na potencial divulgação. Isso torna tudo um pouco mais fácil. Neste momento conto com 16 patrocinadores: a Câmara de Manteigas e as suas quatro juntas de freguesia; a Starmodular, AJCCorreia Construções, a Garbike, o Centro de Massagem Desportiva, a Ergovisão, os restaurantes Montiel, Simple, Varanda da Estrela e O Olival, o Manteigas by Earth e as Casas do Sameiro. Também conto com um treinador pessoal, o Raul Cerdan, que trata de pôr a “máquina” a funcionar. No entanto, o “porta a porta” é uma constante em busca de novos apoios, sabendo que estou sempre aberto a novas parcerias. Para ser competitivo e poder participar em mais corridas, o orçamento deste projeto teria que ser maior porque é um desporto bastante dispendioso, mas isso não é desculpa, tenho sempre que dar o meu máximo e entrar em cada corrida com o pensamento ganhador.

P – Qual é a melhor recordação que guarda do ciclismo profissional?
R – Sem dúvida o de ter tido a oportunidade de percorrer o pais, de norte a sul, em bicicleta. Mas o destaque vai, naturalmente, para a Volta às Astúrias e a Volta ao Algarve, bem como uma clássica que fiz no ano passado em França, porque é nestes momentos que podemos ver verdadeiro ciclismo, estar em contacto com vencedores das Voltas a França, Itália e Espanha, além dos campeões do mundo (que são um exemplo) e poder aprender ao máximo. A camaradagem e os momentos de brincadeira entre colegas e todos os estágios também é algo que fica, mas tenho 24 anos, nunca se sabe quando posso voltar à estrada, a porta fica sempre aberta.

P – E a pior?
R – A pior é, sem dúvida, o todo que é o ciclismo português. Além dos escândalos de doping recentes (infelizmente), continua com ideias retrógradas. Quem tenta apresentar ideias inovadoras, quer a nível de treino, quer ao nível de nutrição, não é ouvido; mesmo querendo estar um pouco em sintonia com o que se trabalha lá fora é, simplesmente, ignorado. Eu, por exemplo, tinha sempre o cuidado de estudar o percurso, fazer o reconhecimento, se possível, e transmitir aos meus colegas os pontos importantes das etapas. É algo que a maior parte dos atletas não se interessa; lá fora, isto é básico. O trabalho de equipa não é valorizado da melhor forma porque, infelizmente, para as equipas portuguesas, só a Volta a Portugal interessa e mesmo que faças um ano razoável e andes bem no resto do calendário não conta para nada. Por último, o modo precário como o ciclismo é remunerado em Portugal, onde os salários são muito baixos. Apesar disso, há uma ou outra equipa em que a mentalidade começa a mudar, mas, no geral, enquanto isso não se alterar, o ciclismo em Portugal não pode evoluir e comparar-se ao ciclismo lá de fora.

P – A sua época de BTT começa esta quinta-feira em Huelva (Espanha). Qual é o seu objetivo para a temporada?
R – O meu objetivo é, sem dúvida, aprender em cada corrida que faça. O BTT é algo novo para mim. O foco deste projeto são as corridas internacionais, com os melhores do mundo, porque só com eles podemos ser melhores. Tenho um carinho especial e gostava de estar bem no Campeonato Nacional, bem como na corrida “Brasil Ride”, no final do ano. Espero chegar já com uma nova experiência. Mas claro que vou entrar em todas as corridas para ganhar, nem fazia sentido que fosse de outra forma. Darei sempre o meu melhor para dignificar os meus patrocinadores, bem como a minha terra, Manteigas.

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FRANCISCO MOREIRA

Idade: 25 anos

Naturalidade: Manteigas

Profissão: Ciclista (Licenciado em Reabilitação Psicomotora pela Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa)

Currículo (resumido): Campeão nacional de esqui 2012 e 2014; Vitórias em várias corridas de BTT regionais; Atleta da seleção nacional de ciclismo; 3º lugar no Campeonato Nacional Cadetes 2015; 4º no Campeonato Nacional de Contrarrelógio 2016; 8º na XI Volta a Portugal de Juniores 2016; Vencedor da 1ª prova da TP Juniores 2017; 13º em perseguição individual no Campeonato da Europa de Pista 2017; Vencedor da Taça de Portugal 2018 e 2022; 10º classificado da Volta a S. Miguel; 4º lugar na Clássica Ribeiro da Rilva; 38º no GP Beiras e Serra da Estrela e 10º no Circuito da Malveira

Livro preferido: “The secret race”, de Daniel Coyle e Tyler Hamilton

Filme preferido: “Harry Potter”

Hobbies: Fotografia, colecionar Playmobil

Sobre o autor

Efigénia Marques

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