Cara a Cara Especial Natal

«A minha profissão tem muito futuro. Em Portugal, dar e receber prendas não desaparece, seja quem for que vá para o Governo»

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P – Quais são as prendas mais solicitadas este ano?
R – Isso depende, não é? Sabe que isto das prendas é como ser macho e fêmea. Antigamente, era o que nos calhava. Agora, cada um sente-se no direito de escolher. Uns pedem uma casa mais barata, outros pedem uma casa mais cara. Uns pedem um salário melhor no futuro, outros querem um salário melhor do passado. Há quem queira um carro para levar a família, outros que querem um carro para fugir da família. Há quem peça saúde para todos, e há os sportinguistas, que me pedem uma nova pandemia para manter o 1º lugar no campeonato até ao fim.

P – Já pensou o que oferecerá aos políticos portugueses?
R – A Pedro Nuno Santos ofereço sociedade no meu negócio. Ele tem muito jeito para prometer – e dar – boas prendas, e eu não me entendo com o “WhatsApp”. Além disso, estou a ficar velho, e quando quinar, mais vale nacionalizar a fábrica, que os duendes não me parecem dar conta disto.
A Luís Montenegro vou oferecer um curso no Actor’s Studio para ver se ele aprende a fazer mais do que duas expressões. E um passe de entrada livre na Rua Direita, para visitar sempre que apetecer, sem medo de aventuras.
A prenda de André Ventura é um pedido especial de Deus Nosso Senhor, que confiou nele para transformar Portugal. Mas a ideia do Senhor nunca foi que ele criasse um partido político, mas que montasse uma performance transformista. Por isso, vou-lhe trazer uma arca de vestidos com lantejoulas que sobraram do último concurso de miss Portugal.
A Rui Rocha, que aprecia o meu trabalho empreendedor, vou oferecer um livro clássico, “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”.
Para Mariana Mortágua e Paulo Raimundo não adianta pensar nisso porque eles recusam a minha visita, com o argumento de ser uma criatura que estimula a crença no sobrenatural e no capitalismo, perdoe-me o pleonasmo.
A António Costa ia oferecer uma viagem de avião e uma estadia na Europa, mas tive de cancelar porque ele já as comprou. Como alternativa, levo-lhe uma couve de Bruxelas para ir saciando a fome.
A Marcelo Rebelo de Sousa levo-lhe um convite para voltar ao “Natal dos Hospitais”, seja o da RTP, seja o outro, em que um tratamento hospitalar é uma espécie de prenda que se dá aos amigos dos filhos.

P – Como só trabalha nesta altura, o que faz no resto do ano?
R – Há muita coisa para fazer. Em janeiro, é a nomeação do conselho consultivo para a apreciação do comité de normas redactoriais que cria o grupo de trabalho que propõe a comissão disciplinar que define o departamento de vigilância para o comportamento das crianças. Quem não aceitar rapazes nos balneários das raparigas, quem achar delicioso um bife de vaca ou quem não perceber que “Os Maias” é um livro racista, não recebe no próximo Natal sementes de girassol tibetano colhidas por um monge que não usa roupa interior. Tudo isto dá muito trabalho.

P – Acha que devia haver um apoio do Estado para minorar esta precariedade?
R – Não me posso queixar das ajudas do Estado. Este Governo tem sido muito generoso a dar prendas aos amigos, e como eu tenho o negócio da prenda franchisado, por cada assessor ou secretário que recebe uma benesse, lá me calham uns troquitos em direitos de autor. Não é que seja muito de cada vez, mas como são bastante frequentes, vai dando para pagar as contas e os lanches dos duendes.

P – A sua profissão tem futuro, ou está em vias de desaparecer?
R – Tem muito futuro. Em Portugal, dar e receber prendas não desaparece, seja quem for que vá para o Governo. Alguns militantes socialistas contactaram-me esta semana para pedir a concessão de mais agências de ofertas e prendinhas. É que para colher boa sementeira na Primavera, as boas graças haverá que semear agora, junto do novo líder.

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PAI NATAL

Este homem santo nasceu há muitos anos, antes ainda de haver telefones sem fios e programas do Júlio Isidro. Por cá, chamam-lhe Pai Natal, há quem lhe chame “Sinterklaas” ou “Sviatyi Mykolai”. Com a sua habitual simpatia, confirma: «Podem chamar-me o que quiserem, mas chamem-me quando a aguardente estiver pronta». Cresceu em Myra. «Há muita gente que confunde com a Praia de Mira, mas se fosse esse o caso, eu usaria as calças arregaçadas até ao joelho». Designa-se distribuidor e “influencer” por conta própria, pois não tem vontade de aturar patrões. Instalou-se na Lapónia porque as renas não pagam impostos. O seu livro preferido é a compilação de contos folclóricos tradicionais dos irmãos Grimm. «Rio-me muito com a imaginação das pessoas a inventarem seres imaginários. E os duendes e os elfos também». Nos tempos livres, sai da sua casa juntos às florestas árticas para jogar ao pau com os ursos.

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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