P – O neurocientista Rui Costa foi “mobilizado” para o combate à Covid-19. O que está a fazer neste momento?
R – Fui “mobilizado” mais como coordenador do que como cientista. Sou diretor do Instituto Zuckerman, na Universidade da Columbia, em Nova Iorque, e fui colocado numa posição de coordenação de equipas que estruturam as atividades de investigação da universidade e entre universidades nesta altura de pandemia.
P – Para quando uma vacina?
R – É difícil dizer. Há bons indicadores que vêm de investigação na China, e também na Europa. Nos Estados Unidos está bastante avançado o desenvolvimento de um tipo de vacina diferente, baseada na injeção de RNA, que é muito interessante e está a ter bons resultados. Terão de ser feitos mais ensaios clínicos e depois expandir a produção e começar a vacinação massiva. Esta fase demorará, mesmo na melhor das hipóteses, 10 a 18 meses.
P – O que recomendaria ao cidadão comum, para além do isolamento, para fazer frente a este vírus?
R – Usar máscara em sítios públicos, lavar as mãos. E principalmente proteger as populações de risco. Quando houver testes que permitam testagem massiva e frequente da população, essa será uma estratégia importante.
P – Que lições se devem tirar desta pandemia?
R – A principal lição, a meu ver, é que temos de estar preparados para situações diversas e inesperadas. E temos que investir na ciência. Só conseguimos responder rapidamente porque já havia muita gente a estudar diferentes tipos de coronavírus e outros vírus, imunologistas a estudar a fisiologia e resposta do organismo, epidemiologistas que tinham modelos sobre estas pandemias.
P – Quando poderá estar ultrapassada esta situação?
R – Eu creio que demorará algum tempo até a situação normalizar um pouco, e tudo depende de curas, de vacinas, de quão forte seja a imunidade das pessoas que foram infetadas e recuperaram. Mas sou otimista e espero que na Primavera de 2021 possamos estar a regressar a uma certa normalidade.
P – Está assustado com o que se está a passar em Nova Iorque?
R – Nova Iorque é o epicentro, o sítio com mais casos, uma cidade do mundo por onde passa gente de todo o lado e que naturalmente sofre em situações como esta. Mais do que assustado, tenho um sentimento grande de preocupação. Mas, ao mesmo tempo, tenho também um sentimento de dever, de servir e de motivar nesta altura.
P – Disse recentemente que esta pandemia pode deixar um «trauma coletivo». Porquê?
R – É um acontecimento que afeta milhões de pessoas no mundo, que já matou centenas de milhares, que obrigou as pessoas a isolarem-se, que trouxe medo, incerteza, ansiedade. É uma guerra global.
P – Portugal tem sido apontado como exemplo no combate à Covid-19. Como tem acompanho a situação?
R – Acompanho diariamente pelas notícias e por conversas com os meus colegas, especialmente com os colegas da Fundação Champalimaud, de que ainda sou um colaborador. Tento trocar ideias e dados o mais que posso.
P – A ciência em Portugal deu um grande salto nos últimos anos – também com a sua aportação, nomeadamente na Fundação Champalimaud. Como vê esta mudança? E poderá ser Portugal um país da ciência e do conhecimento?
R – Isso foi o que sempre sonhei. Mas já estivemos mais perto. Nos últimos anos tem havido um desinvestimento na ciência e a capacidade de atrair e manter cientistas de topo mudou muito. Temos cientistas de topo, mas investimos mais na bola do que em educação, conhecimento, investigação, criatividade. Eu gosto de desporto, e de futebol, mas ter metade dos telejornais sobre futebol e ter vários programas em todos os canais sobre futebol quase todos os dias não revela uma sociedade que esteja a evoluir de uma forma saudável. Temos ouvido mais sobre ciência agora, pode ser que haja mais apoio no futuro.
P – E o futuro do cientista Rui Costa? Passa pelos Estados Unidos ou poderá regressar a Portugal?
R – A ciência é universal e colaborativa. Neste momento tenho uma posição de muita responsabilidade nos Estados Unidos, mas continuo a colaborar com a Fundação Champalimaud e a fazer investigação em Portugal. E a lutar pela tal sociedade do conhecimento e por fazer coisas diferentes e criativas em Portugal. Mas nunca se sabe. Sou português convicto, mas sem nacionalismos exagerados.