Um mês sem dias santos

Escrito por Fidélia Pissarra

“Setembro não deve ter sentido nada quando deixou de ser o mês das vindimas para ser o do regresso às aulas, porque os meses são uma invenção do calendário e a esse tipo de invenções não costuma dar para sentimentos. “

Setembro não deve ter sentido nada quando deixou de ser o mês das vindimas para ser o do regresso às aulas, porque os meses são uma invenção do calendário e a esse tipo de invenções não costuma dar para sentimentos. Aliás, como é cada vez mais evidente, já nem o próprio regresso às aulas, nem as vindimas são o que eram e ainda só não terão deixado de existir por teimosia. Por apurar ficará o nível de relação entre uma coisa e outra, mas lá que devem andar relacionadas, devem. Contudo, isso agora também não interessa, porque os assuntos, para o serem, devem ter algo de inédito e inexplicável. O que não será o caso de nenhum deles.
Ora, como de inédito e inexplicável, também não haverá assim tanto, lá teremos que rebuscar, nos assuntos deste nosso setembro, alguma dessas duas coisitas. Principiemos por algo de inédito: na “rentrée” dos partidos políticos temos os de direita a reivindicar direitos dos trabalhadores e apoio aos desafortunados. Aparentemente, agora os partidos de direita querem que os trabalhadores ganhem melhores salários e que o Estado, por causa da crise energética, nos subsidie a todos. Parece coisa pouca, mas, se pensarmos bem, achá-la-emos enorme. Desde logo, por ser suposto que os partidos de direita sejam anti subsídio, por causa da falta de trabalhadores, e anti aumento de salários, por causa das dificuldades financeiras dos patrões. Se bem nos lembramos, aos da direita costumava dar para acharem que os patrões não arranjam trabalhadores por estarem todos a receber subsídios do Estado. Tal como lhes costumava dar para acharem que os patrões costumam ter muitas dificuldades por ter de remunerar o trabalho.
Quanto ao inexplicável: parece existir todo um sector que, ao contrário do que era costume, prefere não ser trabalhador do Estado. Claro que isto só é inexplicável à luz do velho “dinheiro d’el rei, nem que seja um tostão” dos tempos em que, de certo, só havia reis e tostões. O que, não parecendo, é muito bom, porque traduz uma evolução do empreendedorismo individual e significa que há um sector, muito liberal, a rejeitar as práticas atávicas da função pública em prol do progresso e do bem-estar. No caso concreto, um sector que rejeita sujeitar-se ao trabalho, improfícuo e doloroso, dos hospitais públicos e dos centros de saúde. Quer dizer, não é bem rejeita, rejeita, porque até continua a trabalhar nos hospitais públicos e nalguns centros de saúde. Será mais um abstém-se, pronto. Segundo esse sector, aquilo é tudo muito mal-organizado, mal equipado e muito trabalhoso. Ainda assim, se não se for funcionário público, até parece nem ser mau de todo trabalhar ali. Mesmo que sejam umas vinte horas seguidas ou assim umas estapafurdices desse género. O que, sendo inexplicável, não deixa de ser um problema que nenhum ministro merece ter por tarefa resolver. Pelo que, se o primeiro-ministro ponderasse o recrutamento do ministro da saúde através de uma empresa de prestação de serviços, ou da Ordem dos Médicos, em vez de o nomear, talvez nem fosse descabido de todo. Pois, se já nem o regresso às aulas nem as vindimas são o que eram, porque é que arranjar um ministro da saúde há de ser?

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Fidélia Pissarra

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