As medidas anticrise

“este é um pacote carregado de assimetrias, entre o Portugal urbano e desenvolvido e o interior, entre o país macrocéfalo e o território de baixa densidade, entre as medidas positivas para Lisboa, Porto e o Litoral e o desalento pela ostracização do Portugal profundo”

Perante «o maior aumento do custo de vida em 30 anos», o Governo anunciou um pacote de medidas para conter a inflação. Na apresentação, António Costa sublinhou que as medidas de apoio ao rendimento também têm de ser pensadas para não aumentar «a espiral inflacionista» – até porque, como se sabe, descer o IVA em alguns produtos não implicaria ver refletido no preço final essa descida…
A oposição, e em especial o PSD, já tinham reclamado medidas de apoio e inclusive abriu a porta à possibilidade, agora assumida pelo Governo, de pagar diretamente às famílias com menores rendimentos. Um caminho sempre contrariado pela direita, considerado assistencialista, mas que agora é determinante como medida urgente.
O pagamento extraordinário de 125 euros a cada cidadão com rendimentos mensais inferiores a 2.700 euros, que não seja pensionista (com rendimento anual até aos 37.800 euros brutos) – o cheque será pago uma só vez, em Outubro – e um abono de 50 euros por filho até aos 24 anos, a descida do IVA da eletricidade de 13 para seis por cento (apenas na parte que era faturada com 23 por cento de imposto) durante um ano, o congelamento do preço do transporte, nomeadamente nos bilhetes da CP e nos passes urbanos (infelizmente na nossa região têm preço estratosférico e sem controlo, sendo muito mais caros que na regiões incluídas por estas medidas, Lisboa e Porto), a redução do ISP (imposto sobre produtos petrolíferos) e o suplemento e aumento de pensões são os principais apoios às famílias de um pacote com oito medidas. O Presidente da República aplaudiu e aprovou de imediato. De fora ficam outras possibilidades que, porventura, poderiam ter sido consideradas, nomeadamente a descida do IVA no gás ou a redução ou anulação de portagens, nomeadamente no Interior – tantas vezes reclamadas e várias vezes prometida.
O Governo demorou a reagir ao aumento da inflação, mas o pacote com caráter urgente vai fazer a diferença para os mais desfavorecidos e também para a classe média. É um plano de combate à inflação de 2,4 mil milhões que não deverá ter impacto na dívida pública.
O enorme aumento de preço dos produtos alimentares, mas também dos combustíveis e energia ou das rendas e dos empréstimos à habitação obrigavam à tomada de medidas e o relaxamento do Governo não podia continuar. Com este pacote a inflação pode não ser travada, mas pelo menos não será tão nociva.
A situação internacional, e em especial a guerra na Ucrânia, vai continuar a implicar uma espiral recessiva e o aumento dos preços, sobretudo da energia e produtos alimentares. Portugal alinha assim com o que outros países têm feito para travar a maior inflação dos últimos 30 anos e recuperar alguma serenidade nos mercados. Sabemos que o aumento dos salários vai ficar muito abaixo da inflação e, sem medidas extraordinárias como as que o Governo apresentou, a vida dos portugueses seria muito mais difícil.
As medidas anunciadas podem ficar aquém das expetativas de muitos; podem inclusive chegar atrasadas, mas são um pacote essencial num momento em que o aumento de preços começa a perturbar o dia a dia das pessoas, em especial com rendimentos mais baixos. Ainda que este pacote possa merecer reparos ou críticas, as medidas tomadas vão de encontro à necessidade urgente de contrariar a brutal subida de preços e são necessárias e bem-vindas.
Porém, este é um pacote carregado de assimetrias, entre o Portugal urbano e desenvolvido e o interior, entre o país macrocéfalo e o território de baixa densidade, entre as medidas positivas para Lisboa, Porto e o Litoral e o desalento pela ostracização do Portugal profundo. Um pacote básico de oito medidas essenciais, mas que não apresenta uma medida de discriminação positiva para o interior. Claro que há várias medidas transversais ao país, de apoio a todos, mas os custos da interioridade, os custos de contexto, os custos de transporte, os custos de portagens por falta de alternativas, os custos de mobilidade por falta de transportes e de passes sociais ao custo de Lisboa e com aumentos congelados, os custos de formação, os custos na saúde… e tantos outros custos que deviam ter sido incluídos num pacote que não é tão inclusivo como se esperava e o país precisava.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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