Roubei título ao amigo, que, sarcástico, engendrou tradição que deveríamos incutir nas nossas gentes. “Descascar um cabo de cebolas no começo do ano. Só se chora uma vez, depois é mamar”. Ideal a quem escasseia “estabilidade emocional” e deseje direitos sem deveres, assim como os apaniguados que por cá vêm coçar o paraquedas com que se abalam à capital, incluindo, pasmo e abismo, aquele senhor que aí veio manducar ovos verdes e que depois do regalo do banho presidencial, transmitido em direto por esses oráculos do jornalismo redondo e madraço, se dignou falar à Pátria. Ouvido o salmo faltou-lhe interior. Somos cada vez menos e temos cada vez menos povo. Não por falta de atavio, mas por ausência de vistas. Talvez o senhor tenha metido a palavra no Correio, como as boas festas enviadas antes da Consoada, nos dezoitos e dezanoves do Advento, que demoraram uma semana a chegar ao destino. Isto é o Interior. A tremenda eficácia dos CTT que haverá de arribar com a primeira pedra com que iremos construir um lar, ali na Praça do Município, com outra bordada para a hotelaria. Triste fado o nosso desfastio, que ardemos e não há quem bote carvalhos e castanheiros nas encostas despidas, mau grado a extraordinária beleza da paisagem. Uma década perdida, como a Barragem de Girabolhos, ou a incúria nas infraestruturas do Estado e o silêncio cúmplice dos apaniguados que perante a lealdade à região, preferem obediência aos partidos a que devem “estabilidade emocional”. Nos desejos para 2020, que ao dobrar da década trará nova catrefada de fundos comunitários, reclamo a barragem, a regularização do Mondego e a peticionada reativação da Linha Ferroviária do Douro a Barca d’Alva. Talvez agora que o Governo da Nação tem sucursal na Guarda não precise de carteiro para transmitir a vontade de caminho que não acaba. Temos défice de notoriedade, ignorância de geografia e muito desse badalar que poria em nós outro binóculo, traria estas obras imperiosas. Mas a realidade, teimosa e velhaca, é tudo o que resta dos sonhos. Vejam os fundos comunitários que nos deram as estradas e renovaram comboios. Das estradas, portajados; das automotoras talvez se ausente a ligação entre a Mais Alta e a Cova da Beira, que podia integrar uma região que é Diocese, mas que é tratada como paróquia. E isso não é culpa dos de Lisboa, é culpa nossa que o permitimos, sobremaneira ao longo da última década em que a política local foi colonizada pelos de longe. Que 2020 nos junte nos sinos da Velha Sé para que repiquem a anunciar a ressurreição, não a de nosso Senhor, mas a de nossos senhores.
* Jornalista