Sondagens, maiorias, promessas e realidade

Escrito por Jorge Noutel

“António Costa apostou num fator, o da estabilidade, que leva a generalidade das pessoas a preferirem um mau orçamento que conheçam, do que um orçamento desconhecido.”

O dia 30 de janeiro de 2022 ficará na História de Portugal como mais uma espécie de milagre de Fátima. Um secretário-geral do Partido Socialista que chegou a admitir a hipótese do seu fim político poder estar próximo, conquistou uma maioria absoluta. O espanto naquela noite foi enorme, incluindo para o próprio. Não esqueçamos que António Costa vem de seis anos de Governo e que nenhuma maioria absoluta foi algum dia conseguida, na nossa história democrática, nestas condições.
Bem sei que as sondagens que saíam naquelas duas semanas de campanha eleitoral, e principalmente na última semana, davam a Rui Rio a aproximação a Costa. Houve até uma sondagem que chegou a dar-lhe uma vitória sobre o PS. Só que, mais uma vez, as agências que promovem as sondagens usaram amostras demasiado pequenas. A somar a isto, comentadores comprometidos com os principais partidos do sistema esgrimiram argumentos e estabeleceram premissas destinada a influenciar a opinião pública, confundindo o seu desejo com uma realidade que os atropelou.
António Costa apostou num fator, o da estabilidade, que leva a generalidade das pessoas a preferirem um mau orçamento que conheçam, do que um orçamento desconhecido. O ser humano é, por natureza, maioritariamente assustadiço e pouco dado a arremedos de coragem e de ousadia. A inovação, quando existe, parte geralmente de mentes diferentes, que são a minoria. Se um dia, na história do mundo tivesse havido uma eleição para propor a roda, o fogo ou a escrita, o promotor teria perdido!
Mas Costa recebeu uma ajuda preciosa vinda de um universo que tem relação com os instintos mais primários das pessoas, entre os quais o medo. A aliança entre o PSD e o Chega nos Açores cobrou o seu preço e elevou muito indeciso a votar contra qualquer possibilidade de ela acontecer no continente.
Por último, os milhões da “bazuca”. Para a partidocracia não há pitéu mais apetecível. A sua distribuição criteriosamente escolhida aguçou o apetite para o manjar faustoso que todos pressentem. As promessas começaram a ser feitas muito antes da marcação das eleições. Logo a máquina estava pronta a equivocar, manipular e confundir os eleitores. Não será a conversa de circunstância sobre a tese de que «uma maioria absoluta não é poder absoluto, não é governar sozinho», mas sim «uma responsabilidade acrescida», ou as promessas de que esta será «uma maioria de diálogo com todas as forças políticas que representam na Assembleia da República os portugueses com toda a sua pluralidade» a sossegar a minha alma inquieta.
Gato escaldado de água fria tem medo e aquilo que eu queria ouvir não é que Costa vai reconciliar os portugueses com as maiorias absolutas, mas sim que Costa vai reconciliar os portugueses com a democracia cívica, o que é coisa muito diferente. A melhor estabilidade democrática que pode acontecer a um país não é uma maioria absoluta. É, independentemente de ser um ou cinco os partidos que governam, uma mentalidade democrática e cívica generalizada que permita a qualquer governo, maioritário ou minoritário, governar em consenso tão alargado quanto possível e com o apoio de todos.
Ora, Costa está a uns mil milhões de anos de representar tal desiderato…
Alguém acredita que agora com maioria absoluta o PS vai ser transparente nos atos públicos? Que vai acabar o nepotismo? Que os gestores públicos serão eleitos pela competência? Que haverá mais e melhor serviço público? Que desaparecerão os tachos para os netos dos partidários, já que os pais e filhos já os conseguiram?
O que vai acontecer para muitos partidos é que a sua participação na vida pública vai ser reduzida, uma travessia do deserto. A extrema-direita capitalizará o descontentamento que sempre acontece e crescerá, tornando-se de melhor amigo de Costa que já é num verdadeiro seguro de vida do homem! O PSD vai ter de fazer pela vida, entalado entre a boçalidade protestativa e a incapacidade para ser um partido verdadeiramente social-democrata e de causas.
Quanto à Guarda, podemos dizer que não são os partidos que estão entalados, mas sim todos nós. Vai ser mais do mesmo e, como diz o povo, “arrebimba o malho”. É só olharmos para a cultura, classe, e competência, enfim, para o nível dos deputados que elegemos. Estamos mesmo tramados.

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Jorge Noutel

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