Eu qu’ria matar todos, num só beijo,
enforcar o mundo num só abraço;
eu queria ser o raio que me matasse,
pico silvestre, ou milhafre, no espaço.
… Só não queria ser eu,
pobre pomba engaiolada,
num céu de fogo e fome,
e eu, sem poder fazer nada!…
Eu queria ser vento, que varre os campos,
que acoita os pinheiros, que agita o mar;
eu queria ser água, a arrastar espuma,
coberta de cadáveres, a boiar.
… Só não queria ser eu,
pobre pomba engaiolada,
num céu de fogo e fome,
e eu, sem poder fazer nada!…
Eu queria ser gelo, onde morressem
de frio, os velhinhos, no Inverno;
eu queria ser fogo abrasador;
queria ser tudo… até o inferno!…
…Só não queria ser eu,
pobre pomba engaiolada,
num céu de fogo e fome,
e eu, sem poder fazer nada!…
Eu queria ser leão furioso,
lobo faminto… víbora também;
eu queria ser guerra tirana e crua,
que roubasse o filho, ao colo da mãe!…
… Só não queria ser eu,
triste pomba engaiolada,
num céu, de fogo e fome,
e eu, sem poder fazer nada!…
Eu queria ser trovão, a ribombar;
queria ser feiticeira amaldiçoada;
queria ser louca, a uivar, nos bosques,
queria ser tudo… e até não ser nada!…
… Só não queria ser eu,
triste, pomba engaiolada,
num céu, de fogo e fome;
e eu, sem poder fazer nada!…
Maria Alice Martins, de Vila Franca das Naves
(do seu livro de poesia “Grão de mostarda”)