A ameaça velada e a sucessão anunciada

Escrito por Pedro Fonseca

“Os avisos de Marcelo Rebelo de Sousa já não têm a mesma força no atual contexto de maioria absoluta e se a decisão de António Costa for a de ir embora, irá seguramente.”

O novo Governo tomou posse. Apesar da pandemia e da guerra, o cenário é agora muito mais favorável do que em 2015 ou em 2019. A maioria absoluta confere estabilidade política e os milhões do PRR (a juntar aos milhões do Portugal 2030) trazem a liquidez necessária à execução de projetos e de reformas de grande alcance. Contudo, este Governo dificilmente irá além de 2024.
Há muito que se fala do interesse de António Costa num alto cargo europeu e dos apoios de peso com que conta para o concretizar. Após as Eleições Europeias de 2024, é extremamente provável que António Costa rume a Bruxelas e, consequentemente, Portugal conheça um novo primeiro-ministro e um novo Governo.
Foi essa a ameaça velada que o Presidente da República deixou na tomada de posse do novo Governo: se o PM sair a meio do mandato, haverá eleições antecipadas. Os avisos de Marcelo Rebelo de Sousa já não têm a mesma força no atual contexto de maioria absoluta e se a decisão de António Costa for a de ir embora, irá seguramente.
Mas, ao descartar categoricamente a continuidade do Governo sob a liderança de um novo PM, o aviso do PR veio redefinir as regras do jogo de outro tabuleiro político: a sucessão de liderança do Partido Socialista. O próprio António Costa poderá reconsiderar a sua anunciada neutralidade nessa disputa, sob pena de vir a ser responsabilizado por um mau resultado eleitoral do PS nas eventuais eleições legislativas antecipadas. Para já, a composição do Governo não fornece pistas sólidas quanto a um (ou uma) eventual “chosen one” e no PS já vamos no terceiro secretário-geral adjunto desde que António Costa assumiu a liderança.
Dois anos em política podem parecer uma eternidade, mas numa corrida pelo poder nunca há tempo a desperdiçar. Entre os potenciais candidatos à sucessão de António Costa à frente do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos foi quem mais beneficiou da ameaça velada do PR. É ele quem reúne mais apoios dentro do partido e é também ele quem, na ausência de uma nova maioria absoluta do PS, oferece maiores garantias de uma reedição da “geringonça” graças às boas relações e proximidade político-ideológica que mantém com o PCP e o BE.
Com a oposição a deambular (à esquerda e à direita) pelas ruas da amargura e, em particular, com o PSD sem perspetivas de eleger um líder capaz de reposicionar o partido na órbita da governação, o PS irá decidir sozinho o futuro do país, ao mesmo tempo que vai ensaiando o seu próprio futuro pós-Costa.
No que concerne à Guarda, a continuidade de Ana Mendes Godinho no Governo só pode ser recebida com regozijo por todos os guardenses (sem exceção!). Em política, há sempre uma distância entre o prometido e o cumprido. Para alguns políticos, o caminho a percorrer entre ambos é extremamente curto. O recente anúncio da criação, na Guarda, do Centro Europeu de Competências da Economia Social, atesta a seriedade e a verticalidade da nossa governante. Ana Mendes Godinho prometeu e cumpriu. É assim que se dignifica a democracia representativa e é assim que se devolve credibilidade à atividade política.

* Antigo presidente da Federação do PS da Guarda e ex-vereador da Câmara da Guarda

Sobre o autor

Pedro Fonseca

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