O professor recém-formado é seduzido pelo idealismo de transportar em si mesmo a missão de transformação da Educação, mas o choque com a realidade da escola fechada ao mundo, das exigências e do cumprimento dos seus deveres para com a hierarquia institucional, coloca-o perante a eminência da desqualificação profissional (Sarmento, 1994).
Neste paradoxo entre o que os jovens professores imaginam ser a profissão e aquilo que realmente é, surge a problemática da representação sobre a profissão docente. Embora ligado à Sociologia deve-se a Émile Durkheim o conceito de representação, associado a uma conceção prévia, individual ou coletiva, relativa a uma determinada realidade. As representações individuais são consideradas como transitórias e mudam conforme a sensibilidade dos indivíduos perante alterações no seu meio envolvente; enquanto as representações coletivas estão sujeitas à influência de acontecimentos e tradições, nos quais o pensamento social prevalece sobre o pensamento individual e condiciona as ações dos sujeitos. Este tipo de representação é exercido como uma força autónoma em que a consciência externa se impõe à consciência interna dos sujeitos através de uma realidade pré-existente. As representações não são estáticas, pois são construídas com base nas vivências dos indivíduos e do conhecimento e significado que atribuem à sua realidade (Durkheim, 1998).
Relativamente à docência, interessa, também, fazer a distinção entre representação social e representação profissional. No que respeita à primeira, esta consiste na construção de um saber baseado no senso comum inerente a um determinado grupo social, no contexto das suas interações, dos seus valores e crenças em relação a uma determinada pessoa, situação ou objeto (Anadón & Machado, 2003). A representação profissional é um conjunto de ideias concebidas pela ação e comunicação entre os atores e os objetos necessários para o seu desempenho em contextos específicos (Blin,1997). Em relação à representação profissional, esta é elaborada segundo uma sucessão de reconstruções realizadas pelos sujeitos sobre uma profissão, por referência a informações interiorizadas a partir de diversas fontes, concretamente, a escolarização prévia, a família, os amigos, a imprensa, entre outros (Alves, 2015).
As representações que os futuros professores têm da profissão docente, das suas especificidades, saberes e competências pedagógicas necessárias ao seu exercício são construídas num período anterior, nomeadamente, enquanto alunos ou estagiários, através de observações de outros professores, de vivências e situações em que estão em contacto com a prática letiva em contexto de sala de aula. A formação inicial tem por propósito a adquisição de habilitações para a docência e é nela que o aluno atravessa uma espécie de ritual de passagem conducente ao futuro estatuto de professor. Nesta fase entendida como contraditória, o estagiário-professor confronta-se com representações que já possui e as realidades que vai encontrar nas escolas, aspetos que contribuem para sentimentos divergentes, que determinam em certa medida, a forma como este se contextualiza na ideologia da instituição que o acolhe, o conhecimento científico que utiliza no quotidiano profissional e o modo como consegue adequar as respostas técnicas aos objetivos sociais que a sua formação inicial de professores deve corresponder. A representação e perceção sobre o que é ser professor é o resultado de processos espontâneos de imitação e moldagem a partir de exemplos que o aluno-professor considera serem um referencial e das suas conceções individuais sobre a Educação, alinhavadas durante o seu percurso de vida pessoal (Mesquita, 2015).
Portanto, as representações que os professores constroem/adquirem no período de formação inicial ou a dar os “primeiros passos” na profissão, quando defraudadas, constituem fatores que levam a uma crise de identidade profissional, afetando a maneira de ser, de estar e de fazer dos professores. Embora a sua formação académica confira uma representação favorável de si mesmos, como portadores do conhecimento ou um estatuto de superioridade intelectual comparativamente a outras classes profissionais, as representações dos professores vão-se «cristalizando, tendendo a ser contraditas pelas representações que os usuários da escola fazem sobre o professor». A reação conflituosa resultante desta disparidade entre representações leva os professores a agir na forma de autodefesa corporativa, enquanto os usuários (alunos) «tendem a se tornarem mais agressivos e impacientes com a suposta incompetência e insuficiência dos serviços prestados» (Gomes, 2008, p.7).
António José Alves Oliveira, Castelo Branco