Seguindo pisadas há bastante percorridas por várias democracias ocidentais, também o sistema político português evoluiu (definitivamente?) para uma lógica assente na disputa de blocos. Como resulta das sondagens conhecidas desde as legislativas, essa disputa tende a favorecer a esquerda, porque mais representativa.
Por outras palavras, como o bloco da esquerda surge invariavelmente à frente do conjunto das forças de direita, a atual direita nacional só regressará ao poder, mesmo que em aliança transversal, se a esquerda não quiser ou não conseguir entender-se para governar. Ou se encontrar uma liderança suficientemente forte e mobilizadora de modo a alterar esta correlação de forças.
Para este estado da arte da direita portuguesa concorreram diversos fatores. O desgaste causado pelo calvário da troika durante o governo PSD/CDS liderado por Passos Coelho, a socialmente benigna política de devolução de rendimentos da geringonça, a fragmentação daquele espaço político com o surgimento do Chega e da Iniciativa Liberal, o fracasso da liderança de Rui Rio e a consequente incapacidade do presidente do PSD para se afirmar como um líder agregador dos eleitores da direita e centro-direita.
Os últimos cinco anos foram tempos de suspiros da direita por Passos Coelho. Ante a hibernação política a que a ausência do diabo obrigou o ex-primeiro-ministro, que tardou a perceber não dispor de condições para liderar a oposição à geringonça, foi André Ventura, e não Rui Rio, quem emergiu como a voz mais audível da direita contra a governação socialista.
Seja para responder aos sonoros apelos ou para inverter o estado a que a direita chegou, Passos Coelho, à boleia da homenagem a Alfredo da Silva, ensaiou o ansiado regresso. Como, afinal, a música na TAP não é outra, mas a mesma de sempre, o ex-líder criticou a marcha fúnebre de milhares de milhões depositados neste novo Novo Banco para defender que esse dinheiro devia ser investido na saúde e educação. Bem prega frei Tomás!
Mais relevante do que a coerência na crítica é o momento crítico escolhido por Passos para voltar às notícias. É que o diabo não veio, mas, como diz a gasta expressão, “o diabo está nos detalhes”. E com o correr do tempo, esses detalhes serão cada vez mais determinantes.
Acreditando nas indicações várias que apontam no sentido de princípio do fim de ciclo político de António Costa, conhecedor das sondagens que só fazem Rio rir para não chorar, com autárquicas à porta e os efeitos da crise pandémica sempre a pairar, Passos Coelho sabe que o seu momento 2.0 ainda não chegou, mas pode estar a chegar.
Pela forma como governou e pelo que representa, Passos é hoje a única figura que, à direita, gera confiança e a quem ninguém disputa a autoridade. Mesmo afastado da política, não deu passos em falso e soube construir-se como líder sebastiânico da direita, não só para eleitores e simpatizantes laranjas, mas também para os que deixaram de se rever no atual CDS e para aqueles que migraram para o Chega e o IL. Passos pode não bastar para a direita voltar a governar, mas é ele o primeiro passo para a unir.