País relativamente

O governo de Luís Montenegro e a PSP têm, sobre a imigração, uma ideia muito parecida com a dos alunos universitários sobre os alunos acabados de chegar. Integrar é reuni-los todos e encostá-los à parede. Ambos usam bastões com nomes franceses (cassetete e bâton) para atemorizar as criaturas que, ainda pouco ambientadas no país e na universidade, e com medo de uma hipotética futura exclusão, não encontram outra solução que não seja obedecer.
Para os excitadinhos da ofensa que estejam de turno, e que só não vêm aqui protestar e insultar porque isto não é o Twitter ou lá como é que essa rede se chama hoje, fica uma explicação: não, não estou a aligeirar a rusga policial feita em Lisboa. Estou, sim, a dramatizar a prática habitual da praxe universitária, porque não entender a violência que a praxe encerra leva precisamente a uma dormência que acaba em palminhas laudatórias à polícia quando, sem nenhuma razão, põe os transeuntes de uma rua (não por acaso percorrida principalmente por estrangeiros) virados para a parede, como já nem às professoras primárias é autorizado fazer – embora deste castigo tenha até uma boa recordação, porque uma hora virado para a parede no fundo da sala numa aula da quarta classe foi prémio mais do que satisfatório para o meu primeiro sucesso humorístico, uma piadinha blasfema sobre Jesus (o da Palestina, não o da Arábia) que provocou risos na sala e fúria na professora.
Do “estamos só a brincar” da praxe ao “estamos só a prevenir” da polícia não é um salto. É um passinho bem mais pequeno do que o Sporting de Ruben Amorim para o de João Pereira – já que falamos em tragédias, falemos delas todas. Sempre me incomodou a condescendência e a tolerância da sociedade portuguesa em relação à praxe e às suas derivações autoritárias e persecutórias. Mas agora, lendo e ouvindo as justificações e as saudações da rusga policial, percebo de que gosta o meu bom povo.
Afinal, o que os satisfaz na celebração do 25 de Abril não é o fim das iniquidades contra os fracos, é apenas a possibilidade que lhes trouxe de estarem, nem que seja como espectadores, do lado dos fortes. E se não forem dos que calham usar o bastão de amassar ideologias, como lhe chamou a Mafalda, do Quino, ou com o bâtonzinho vermelho, para marcar caloiros como se marca gado ou prisioneiros, lá estão, na plateia, de olhinhos brilhantes a rir e a aplaudir pancraciamente aqueles que se sentem, pelo silêncio ou pela exaltação, legitimados para tratar de forma bovina pessoas que julgavam ter chegado a um sítio novo para começar uma vida melhor.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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