A Ordem dos Médicos, com a colaboração dos seus Colégios de Especialidade, elaborou recentemente um documento que constitui um dos maiores contributos à qualidade da saúde e à humanização dos cuidados de saúde.
O documento, que se encontra atualmente em consulta pública, “Tempos padrão para as consultas médicas”, pretende definir aqueles que são os tempos médios recomendados para as consultas de especialidades médicas. Até agora, o tempo da consulta tem sido definido de forma puramente administrativa. Existe uma pressão sobre os médicos para multiplicarem consultas, privilegiando-se a quantidade e esquecendo as necessidades próprias para uma intervenção clínica cuidada e a preservação da importante relação entre o médico e o seu doente. Há relatos de consultas que são marcadas a intervalos de 5 minutos nalguns hospitais! O médico precisa de tempo para observar o doente. Estabelecer uma relação de empatia e confiança, ouvir e saber perceber o doente, dedicar-se à estratégia clínica e finalmente orientar o doente, e seus familiares, para os cuidados do seu tratamento.
No preâmbulo do documento, o Bastonário da Ordem dos Médicos refere: «A relação médico-doente está no topo da minha agenda como bastonário. Por circunstâncias diversas que a maior parte de vós não ignora, a relação humana e proximidade entre os médicos e os doentes está fortemente ameaçada. Há uma tendência perigosa de tornar a nossa profissão numa burocracia, numa tarefa, como se de uma função meramente administrativa se tratasse. Estamos sujeitos a uma teia burocrática que nos condiciona permanentemente, que dificulta a nossa missão e impõe uma barreira ao nosso trabalho e à humanização da relação médico-doente. A Ordem dos Médicos não pode assumir esse caminho como uma inevitabilidade. Não podemos, como sabiamente referiu o professor Daniel Serrão, aceitar que a Medicina seja funcionalizada. Isso seria trair a matriz ético-filosófica da nossa profissão e o seu espírito arreigadamente liberal. Por isso, é fundamental agir o quanto antes e com determinação. Contribuir com soluções concretas e que estão na esfera de intervenção da Ordem dos Médicos. Refiro-me, por exemplo, à determinação dos tempos mínimos de consulta (tempos de marcação de consulta).
Isto diz muito sobre a componente ética, deontológica e sobretudo humanista subjacente a este documento».
Nunca poderemos esquecer que a essência da profissão médica baseia-se numa ligação única entre quem sofre e quem tem o papel de lhe retirar ou amenizar o sofrimento. Na primeira intervenção pública sobre este documento, demonstrando uma total frieza sobre o assunto, a Ministra da Saúde veio dizer que esta questão «não estava em cima da mesa». Lamento mais esta intervenção irrefletida que em nada favorece algo que deveríamos preservar: a humanização dos nossos hospitais e centros de saúde. É na preservação da humanização que reside um dos principais papeis dos profissionais de saúde. O tempo de uma consulta médica é um tempo de humanização.
* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos