Acabado o arraial das eleições, das procissões e juras de amor e ódio, do ato litúrgico e fúnebre à volta das urnas, escolhidos que estão os representantes e conseguidos os assentos à mesa dos comensais, eis que se dá finalmente posse ao governo e aos seus ministros e seus restantes lacaios para todo o serviço.
Importa por isso refletirmos sobre o atual modelo representativo.
É verdadeiramente democrático? De facto, parecendo que sim, não é. De todo.
Quando todos podem votar mas, para se ser eleito, tem de se concorrer por partidos, não há democracia. Os partidos transformaram-se em oligarquias, igrejas laicas, máfias, naquilo que lhes quiserem chamar, enfim, numa caricatura daquilo que era suposto serem. O único laivo de democracia que permanece é poder-se ainda dizer cobras e lagartos do poder sem se ter uma Pide a bater-nos à porta. Decorridos que estão mais de 40 anos sobre esse virar de página, convenhamos que é pouco, muito pouco.
Qualquer safardana que consiga manter os sapatos do chefe partidário bem reluzentes tem a vida facilitada e portas escancaradas para nomeações, mordomias, esquemas corruptos e todo o tipo de deferências. Grande parte da população, habituada a olhar de baixo para cima para o poder, numa evidente reminiscência salazarista e clerical, limita-se a rosnar, mas, chegada a hora da verdade, abana a cauda e lambe submissa a mão a toda esta corja de incompetentes e de oportunistas.
Depois de legitimados na romaria eleitoral, podem proceder às mais evidentes alarvices comportamentais porque a populaça que os elegeu não tem meios para os mandar embora. O referendo, meio que destronaria esta representação bafienta, só existe quando as oligarquias o decidem e, mesmo assim, encavalitado num regime jurídico que é um verdadeiro tratado de manigâncias antidemocráticas, de truques para impedir que possa ser proposto pela plebe.
As diferenças entre os membros das listas que são eleitos – no caso da AR – e aqueles que por lá se irão manter, é imensa. Ninguém parece importar-se mas, de facto, é mais uma burla das que governam as nossas vidas. As pessoas votaram numa lista, os eleitos foram uns – que desandaram imediatamente para várias outras funções – e quem vai exercer a “representação” são as segundas linhas, por regra, ainda mais ineptos do que os primeiros.
Qualquer mandarim – no caso das autarquias – tem de mudar de ares após três mandatos. Vai para o Governo, para uma empresa onde o Estado ou a autarquia o possam colocar, para uma Área Metropolitana ou Comunidade Intermunicipal. Ou renasce noutra autarquia. Os vereadores mais parecem uma assembleia e não um executivo (em Lisboa são dezassete!). A assembleia municipal não passa de um areópago cosmético que nem sequer pode demitir um membro da vereação.
O presidente da República não passa de uma reminiscência monárquica, criada como referência patriarcal para o povo de analfabetos que existia em 1910. Essa tradição manteve-se até hoje, sendo visto como uma espécie de pai, um protetor, como o czar da santa Rússia, e, como este, uma figura cara e inútil. Um presidente da República que a cada aparecimento público é mais populista, tratando-nos a todos como imbecis.
O fabuloso Cavaco tinha 31 assessores e, certamente o melhor deles era o “assessor do cônjuge”! O atual, à cautela, já nem indica na sua página oficial as suas assessorias e os seus titulares…
Por tudo isto, qualquer debate que considere o atual modelo como democrático, está condenado a ser apenas um esbracejar dentro do pântano. Assim vai a festa!