Guarda, Capital de Fronteira (1)

Escrito por José Valbom

Eduardo Lourenço, sempre entre nós, lembra-nos, em novembro de 2001, que devemos assumir este desígnio.
Temos tudo.
Falta-nos materializar a ambição, presos que estamos (ainda que afetivamente tenha explicação) a uma ideia de «interior vivido e percebido como uma espécie de maldição ou fatalidade, mais filha da história do que da geografia» (2).
A fronteira, hoje, não é separação, nem linha, é antes, e acima de tudo, adro de convívio, praça de trocas com gentes e territórios, irmanados no abandono pelos governos centrais.
Pensos rápidos, como a recente baixa das portagens, não curam a ferida.
Devemos, pois, afirmar, e agir, em coerência a nossa centralidade ibérica e europeia.
Hoje, Portugal é económica e socialmente mais continente – Europa – do que Atlântico. As distâncias, todas as distâncias, são menores – menos tempo de viagem, melhores ligações informáticas. A acessibilidade tem melhorado, necessitando-se da conclusão da beneficiação da linha férrea da Beira Alta, teimosamente e erradamente em bitola ibérica.
A Guarda articula-se e coopera com todos os municípios vizinhos, que enfrentam desafios e dificuldades semelhantes, acreditando que a totalidade é maior que a soma das partes. O mesmo, e pelas mesmas razões, com os vizinhos espanhóis.
Urge diversificar, ampliar e inovar nas atividades em conjunto. Penso aliás, que este espírito de cooperação e braços abertos a todos é uma característica do beirão/guardense, mais perene e identitária do que a do guarda/sentinela nos seus 1.056 metros de altitude.
Em meu socorro vem o facto de, muito para além de 1297 (Tratado de Alcanizes), persistir franco e aberto convívio, namoros e casamentos, vida comunitária na verdadeira aceção da palavra, nas zonas da raia.
Lembremos, a título de exemplo, que até 1401 Vale da Mula, São Pedro do Rio Seco, Alameda de Elgason e Aldea del Obispo tinham o mesmo padre – o elo mais forte de socialização desse tempo.
As relações fortificam-se com atos.
A Guarda é o cruzamento estratégico – a geografia é importante – entre o litoral e este interior que se perceciona e assume «como um verdadeiro cais de partida (e chegada, digo eu) para um horizonte de terra firme, que é toda a Europa» (3).
O porto seco é a âncora deste desiderato. A articulação e complementaridade com a PLIE e restante sector industrial e comercial é indispensável. Atividades e setores a interligar ao IPG e outros graus de ensino, enquanto vetores de estudo e inovação em todos os setores da atividade.
A saúde é, hoje, o sector social determinante para fixar quadros qualificados. É um dever ético (e constitucional) da sociedade garantir saúde a todos os residentes, principalmente aos mais vulneráveis. O distrito da Guarda tem cerca de 30% de idosos.
O interesse estratégico (e legítimo) de dois polos de saúde vizinhos, sobre algumas áreas da saúde localizadas na Guarda, vem já de algumas décadas e vai acentuar-se no futuro.
Devemos, pois, reforçar (do topo à base) a nossa produtividade e qualidade, demonstrando-o com a certificação de serviços, que podemos/devemos ser cooperantes mas nunca subalternizados.
O turismo de baixa densidade, como um peregrinar lento e pausado em simbiose com a natureza – o inverso do “toca e foge” dos tempos modernos – deve ser incentivado. Não chega esconder o nosso ex-libris inaugurado em 1942 (Hotel Turismo).
Os nossos territórios (o melhor que temos) devem ser salvaguardados de catástrofes naturais, principalmente fogos florestais, com agricultura, silvicultura e agroflorestal ambientalmente sustentável.
A água, a sua retenção e utilização de forma eficiente, de acordo com as melhores práticas ambientais, é a raiz do futuro da Guarda. O futuro da Guarda e do país, conscientes que estamos da responsabilidade de pertencer às três bacias hidrográficas mais importantes do país – Mondego, Douro, Tejo.

* Médico e deputado da Assembleia Municipal da Guarda eleito pelo movimento independente “Pela Guarda”

1- Eduardo Lourenço – Discurso “Ibéria e Europa”, 2001
2- Eduardo Lourenço – Discurso “Oito séculos de altiva solidão”, 1999
3- Silva Peneda – Comemorações do Dia de Portugal, a 10 de Junho de 2014

Sobre o autor

José Valbom

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