Vivi este tempo eleitoral com o entusiasmo de sempre; o sonho ganha asas na ambição de fazer mais e melhor pela nossa terra. A política sem utopia é um subproduto do rigor contabilístico. O que diferencia o nível da gestão autárquica é o rasgo criador dos protagonistas. O bom autarca tem um dom, algo inato, que integra a personalidade. Depois o ideal de serviço público, servir, o contrário de mordomias e penacho. Nesta campanha percorri o distrito de lés a lés, contactei com muita gente, ouvi mais do que falei.
Tento agora alinhavar alguns pensamentos que são o embrião de outras tantas preocupações. Em muitos concelhos o poder local está pior que nunca. Não é um pessimismo irritante, são os factos que o demonstram. As Câmaras, de órgão colegial, estão a transformar-se no cartório do presidencialismo municipal. Com muito dinheiro e cada vez mais poder, atribuições e competências, os presidentes rodeiam-se de uma corte de vereadores permanentes, pouco escrutinados e fiscalizados; em muitíssimos casos são meros ajudantes do chefe. O exército do pessoal político que enxameia os gabinetes existe para servir e defender o líder de quem exclusivamente dependem.
Há um novo caciquismo autárquico que envolve sofisticados meios de comunicação pagos a peso de ouro. Viu-se na Guarda. Tudo isto sem reforçar as competências da Assembleia Municipal, um órgão central do sistema, quase sempre no bolso do presidente da Câmara, que, em vez de fiscalizar, bajula e aplaude, perde demasiado tempo em longos períodos da ordem do dia e despacha em minutos os temas essenciais da gestão, orçamentos e contas de gerência, regulamentos ou instrumentos urbanísticos. Como é possível um deputado da oposição só ter conhecimento dos materiais da sessão dois ou três dias antes e não dispor de apoio especializado para discutir e votar esclarecido?
Tanto poder é muito perigoso e nos municípios pequenos, despovoados e envelhecidos, deturpa absolutamente o conceito de liberdade do voto. Um presidente de Câmara que distribui cheques ao domicílio em plena campanha eleitoral a todo o género de coletividades, instituições e associações, faz inaugurações, lança obras, descarrega materiais avulsos para insinuar que as obras estão iminentes, não é verdadeiramente o rosto de uma autarquia democrática.
Concelho onde há dezenas de funcionários que integram as candidaturas do partido no poder, incluindo vários cabeças de lista das freguesias, onde a propaganda é feita pelo pessoal político, será mesmo livre? Fica-nos a esperança e o consolo de saber que nem todos os autarcas são farinha do mesmo saco e em muitos municípios se respeita integralmente a lei.
Sábado, 25 de setembro, 22 horas. Obviamente que não conheço os resultados eleitorais, quem ganhou ou quem perdeu as eleições autárquicas. Mas há já derrotados: com toda a frontalidade, penso que muitos órgãos da comunicação social da Guarda foram pouco isentos, parciais mesmo, tentando beneficiar a candidatura do PSD e cobrindo de forma ligeira a campanha. A opinião pública merecia mais respeito.
Por fim, numa cidade onde tanto se criticam os aparelhos e os políticos, a candidatura de Luís Couto foi um grito cívico e um ato de coragem cidadã que fica como um património do PS que soube ouvir os sinais que vinham da sociedade civil. E vou enviar o texto para o jornal; não quero confundir desejos com realidade. Os prognósticos ficam para segunda-feira.
* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda