Desmistifique-se a “Desertificação do Interior”

Escrito por José Monteiro Vaz

Recuso o pressuposto de que o Interior está condenado à desertificação. Não está e não devemos aceitar que o condenem. É cada vez mais urgente avançar com a valorização do Interior. É importante deixar bem claro que a desertificação e o défice demográfico não são uma inevitabilidade, é necessário, isso sim, criar as condições para as pessoas viverem no Interior.

Não vale a pena vir com o argumento de que há poucas pessoas para justificar o encerramento de serviços públicos, quando é precisamente ao contrário!

Tem sido essa política errada que tem provocado a saída das populações do Interior do País, por não terem condições para cá ficar.

O caminho tem sido a desindustrialização, os cortes nos apoios à agricultura familiar, o encerramento de escolas, maternidades e extensões de saúde, postos da GNR, estações e postos dos CTT, eliminação de freguesias e o consequente afastamento entre os órgãos eleitos e a população, a manutenção das portagens na A23 e A25, a redução e eliminação de carreiras rodoviárias (transportes públicos), a falta de investimento na ferrovia, rede de internet banda larga deficitária, ausência de cobertura de rede móvel em todo o interior, etc. etc.

Na minha opinião, o caminho a percorrer deve ser rigorosamente ao contrário!

Tem que haver mais investimento nas Instituições de Ensino Superior, Politécnicos e Universidades!

Tem que haver descriminação positiva no custo da energia para aquecimento (mais barata), menor retenção na fonte do IRS para quem trabalha no interior, fim das portagens, SNS de qualidade, incentivos majorados aos empresários que invistam no interior, nomeadamente no acesso exclusivo de Fundos Comunitários para alguns investimentos de empresas não poluentes.

Uma das maiores conquistas da Revolução em 25 de abril de 1974 foi o Poder Local. Se não fosse o excelente trabalho realizado por alguns autarcas do interior e Pinhel é um feliz exemplo, o interior para lá de desertificado, não teria nenhuma qualidade de vida!

Mas e então que fazer?

Temos que defender e exigir, que se reforcem os serviços públicos, ao invés de se desinvestir e privatizar.

Temos que defender e exigir, que se invista de facto no Serviço Nacional de Saúde, em vez de se continuar a transferir dinheiros públicos para o negócio da doença!

Temos que defender e exigir que se invista de facto na Educação e na Escola Pública, que se respeitem e valorizem os seus profissionais. Que se atribua a verdadeira autonomia às escolas nas situações que só às escolas dizem respeito, nomeadamente, constituição de turmas, e na criação das 4 áreas do ensino secundário. Um modelo próprio de Gestão a definir pelas e nas escolas, um modelo próprio de Avaliação do Desempenho Docente, um modelo próprio de Avaliação das Aprendizagens dos Alunos. Atualmente as políticas públicas da educação, vão no sentido de quase exclusivamente se preparem alunos para exames em vez de verdadeiramente Ensinar!

Que se invista na agricultura e nos agricultores, não no grande agronegócio.

Que se criem, de uma vez por todas, as Regiões Administrativas, respeitando o princípio da descentralização administrativa. Que se avance, de uma vez por todas, com a Regionalização, em vez de se transferirem para as autarquias locais, encargos em áreas de competências que cabe ao Estado assegurar.

Que se melhorem as condições de vida dos que trabalham nesta região e que se dotem os jovens de condições materiais suficientes para que deem o passo de constituir família.

Medidas que passem por salários dignos, acesso à habitação, creche, escola, transportes, acesso aos serviços de saúde e ao acompanhamento das grávidas e ao direito a nascer em segurança num hospital público. Tudo condições fundamentais para optar por ter filhos e garantir a sua educação.

Temos que defender e exigir o fim da acumulação de lucros nos grandes grupos económicos sendo que alguns nem sequer pagam impostos porque têm as suas sedes em paraísos fiscais, que acumulam lucros de milhares de milhões e ainda lhes reduzem o IRC.

Estes grupos só investem com o dinheiro da banca ou do PRR (a fundos perdidos).

A concentração da riqueza nestes senhores que não precisam dela para nada, a não ser para fabricar pobres e para ter na mão aqueles que lhe dão a riqueza e que eles tratam como se fossem seus inimigos!

Este dinheiro parado/concentrado, nas mãos desta gente não serve para nada nem para ninguém (nem a vida deles próprios melhora!). Apenas serve para fabricar pobres, para depois os terem na mão e lhes serem subservientes.

Os principais grupos económicos em Portugal tiveram, em 2022, 20 milhões de euros de lucro por dia e os 5% mais ricos concentram 42% de toda a riqueza criada no País.

De facto, têm sido estas opções políticas dos sucessivos governos que têm determinado ao despovoamento do interior. É esta política que determina a desertificação, o défice demográfico, o encerramento de serviços, o desinvestimento público.

Quando falamos em Interior estamos a falar de 70% do território onde estão apenas cerca de 2 milhões de pessoas.

Entre 1960 e 2011 estas regiões, com exceção de 6 concelhos perderam 30% da sua população.

Não há desenvolvimento dos territórios sem a sua ocupação.

Para lá de todos os excelentes contributos que vão aparecendo aqui ou ali, pela mão de alguns (poucos) autarcas e ainda por pequenos e médios empresários, o que precisamos mesmo é de fixar no Interior não uma Secretaria de Estado mas sim população.

O respeito pela autonomia do Poder Local Democrático, com a reposição de freguesias, de forma a abrir caminho para um verdadeiro poder regional, a Regionalização.

É possível, reforçando as condições de mobilidade, transportes e comunicações, nomeadamente com o fim das portagens nas SCUT, com investimento na rede rodoferroviária, com reposição de troços encerrados e expansão da rede de banda larga móvel.

Termino afirmando:

A solução está na Autonomia Regional, nas decisões e no correspondente envelope financeiro que só se consegue com a Regionalização, pondo fim às lágrimas de crocodilo e aos lamentos hipócritas do fatalismo da desertificação!

* Professor

Sobre o autor

José Monteiro Vaz

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