Diz o bom senso (para não entrar em questões de seriedade…) que há coisas que ou não se fazem – ou não se fazem assim. É por isso que espanta um caso revelado há dias sem que os visados – sobretudo o principal visado, Luís Tadeu, presidente da Câmara de Gouveia – se tenham aprestado a dar explicações ou a desmentir de modo cabal o que foi adiantado.
Em duas palavras, o Portal BASE (que centraliza a informação sobre os contratos públicos celebrados em Portugal continental e regiões autónomas) indica que a Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIM-BSE) contratou por ajuste direto – ou seja, sem concurso público aberto e transparente – serviços de transporte rodoviário a oito empresas para 17 serviços, desde 1 janeiro de 2024, no valor de 8.956.950,75 €, ou seja: quase nove milhões de euros
Esta divisão da matéria contratual às postas, contrária às regras da contratação pública que procuram que a livre concorrência baixe os custos do Estado e do poder local, é em tudo contrária ao ambiente social e político, e também ético, que os concelhos das Beiras e Serra da Estrela precisavam.
Vejamos.
Em abril do ano passado, Luís Tadeu, que agora preside à CIMBSE, foi condenado pelo crime de prevaricação a pena de prisão de três anos e meio, suspensa sob condição do pagamento de 25 mil euros, devido a parcerias público-privadas com a empresa MRG. No processo foi também condenado Júlio Sarmento, ex-presidente da Câmara de Trancoso, a sete anos de prisão por prevaricação de titular de cargo político, corrupção passiva e branqueamento de capitais, para além de ter de devolver ao Estado 552 mil euros.
Álvaro Amaro foi igualmente condenado por prevaricação de titular de cargo político a três anos e meio de prisão com pena suspensa, condicionada ao pagamento de 25 mil euros. E teve de renunciar ao seu lugar de eurodeputado em Bruxelas e Estrasburgo.
Este simples historial, que é recente, deveria ser em si próprio uma exigência prévia de correção de procedimentos – os quais, como a mulher de César, para além de serem sérios, também o deveriam parecer. Pelas condenações recentes, e pelo escrutínio público que elas necessariamente implicam acerca do que se vai passar a seguir, a metodologia da contratação dos transportes municipais deveria ter sido a mais natural e consensual possível. Porém, partir um concurso de nove milhões em postas à medida para ajustes diretos é tão imprudente como absurdo.
Falta menos de um ano para as eleições autárquicas.
* Presidente do Conselho Distrital da SEDES Guarda