O chumbo do orçamento municipal da Guarda, melhor, a falta de planeamento estratégico de quem executa e também das constituídas oposições quando as mesmas têm um legado de gestão autárquica, traduz-se na infelicidade dos munícipes guardenses “atados” a jogadas políticas entre parceiros partidários e companheiros de percurso que nunca deixaram de estar presentes na sombra.
Os que advogam que não podemos ser capturados por interesses partidários ou que a luta pelas causas nobres do nosso quotidiano existencial não podem ter cunho político são os mesmos que se aproveitam dos que lutam nobremente pelas causas em que acreditam. É fundamental que haja sempre transparência política nos posicionamentos, mesmos que sejam contrários, não apareçam na sua defesa quando e só as circunstâncias de eminente crise ou rotura, quando na realidade decisões políticas e posicionamentos partidários colocaram em causa a resposta às necessidades das populações, nomeadamente nos diversos serviços públicos.
Efetivamente, a não aprovação do orçamento municipal da Guarda para 2024 traduz dificuldades mais profundas na gestão autárquica, mesmo com a circunstância de alguns eleitos municipais do PS respaldarem as propostas do poder central para a revitalização económica do concelho. O que está em causa é a subordinação do poder político ao poder económico; um exemplo claro é a retirada de competências relativas ao terminal ferroviário da Guarda da Infraestruturas de Portugal para a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo. Trata-se de mais um caso de submissão dos interesses nacionais e da região aos interesses privados, bem como de desarticulação da ferrovia portuguesa.
O PCP foi o único partido político a exigir a reversão desta cedência de um bem de domínio público, a reintegração de todos os trabalhadores, sem perda de direitos, e a defesa da ferrovia nacional. Quanto aos eleitos municipais da Guarda, deveriam estar na primeira linha de exigência ao poder central do necessário e urgente investimento de ligação ferroviária à PLIE, esta complementar à requalificação da Linha da Beira Alta e em correlação com a concordância das Beiras (Beira Baixa e Beira Alta).
Não esquecer que o PCP sempre foi contrário à subtração de competências do poder local, mas também à entrega de competências adstritas das funções sociais do Estado. Recordo que o PCP se opôs à criação de sistemas que integrem todo o ciclo da água, desde a captação à entrega aos munícipes, como o proposto no acordo de parceria para criar a Águas Públicas em Altitude – Serviços Intermunicipalizados , entre os municípios de Celorico da Beira, Guarda, Manteigas e Sabugal. Estas opções favorecem uma futura privatização, retiram competências municipais e diminuem o controlo democrático da gestão da água. As Câmaras deveriam manter a gestão da entrega de água aos munícipes, mesmo criando uma empresa para gerir a captação.
A experiência tem sempre demonstrado que a primeira consequência no processo será o aumento do preço da água e das taxas de saneamento para os munícipes, agravando as condições de vida das pessoas, a situação das pequenas empresas e dos serviços públicos. Como em anteriores processos, será sempre um passo a mais no caminho da privatização deste recurso imprescindível à vida.
As opções ideológicas da União Europeia, secundadas pelos sucessivos governos, têm recorrido à chantagem sobre os municípios no sentido de forçar a agregação de sistemas de água em baixa. O objetivo é tornar estes serviços apetecíveis ao negócio. Não é verdade que estas agregações só se façam para cumprir só orientações da UE. O Governo em gestão, de maioria absoluta do PS, e os governos PSD e CDS usaram os fundos comunitários para forçar os municípios a aceitar participar nestes processos que apenas beneficiarão o negócio em detrimento das pessoas. Se por um lado os sucessivos governos têm apostado na transferência forçada de competências do Estado central para as autarquias, por outro lado tem aumentado a pressão para a expropriação dos municípios da gestão da água, competência claramente municipal.
Se persistirem neste caminho, as Câmaras perderão o controlo da gestão da água e da sua entrega aos munícipes e, ao mesmo tempo, a população perderá meios de controlo democrático sobre a política de água.
A luta pela salvaguarda da gestão da água nos municípios é fundamental para garantir tarifas comportáveis, num quadro de sustentabilidade económica, social e ambiental da gestão da água e do saneamento.
É preciso defender a autonomia dos municípios, incluindo a possibilidade de transformar, na gestão em alta (da barragem ao reservatório), os sistemas multimunicipais em sistemas de parceira pública ou em sistemas intermunicipais. Não podemos esquecer que a gestão municipal do PS alienou a barragem do Caldeirão à Águas do Zêzere e Côa e depois a gestão PSD/CDS à Águas de Portugal, onde o atual presidente da Câmara era então vereador do executivo de maioria absoluta do PSD com a responsabilidade da água pública.
Em poucas palavras, as “amarras” e constrangimentos financeiros do município da Guarda decorrem de opções políticas de ontem e de hoje com os mesmos responsáveis de sempre, PS e PSD e agora o PG, a contribuir para que persistam no tempo. Entendam-se para um novo rumo da gestão autárquica na Guarda. Exijam uma verdadeira e refundada autonomia do poder local democrático no caminho dos 50 anos de Abril.
* Dirigente da Direção da Organização Regional da Guarda do PCP