Vem este título a propósito da situação política que neste momento se vive em Espanha. Nesta segunda-feira e terça-feira, o Rei recebe os partidos políticos para, depois, propor à Presidente do Congresso o nome para a investidura no cargo de primeiro-ministro, sabendo-se que há dois candidatos ao cargo: Alberto Núñez Feijóo (PP) e Pedro Sánchez (PSOE).
Como se sabe, o PP ganhou as eleições sem ter conseguido uma maioria absoluta, nem como partido nem como bloco político, com o VOX. E o artigo 99 da Constituição espanhola determina que, à primeira tentativa, o candidato obtenha maioria absoluta dos votos do Congresso. Só à segunda tentativa será necessária uma maioria simples (ele tem 171 ou 172, sendo a maioria absoluta de 176), o que, mesmo assim, parece impossível de obter por este partido porque terá sempre a oposição dos partidos nacionalistas e independentistas, designadamente dos catalães Junts per Catalunya e ERC, correspondentes a 14 votos. Se o indigitado for Feijóo e não conseguir passar no Congresso, então poderá avançar Sánchez para tentar a investidura, precisando para isso do apoio dos nacionalistas e independentistas.
Não se sabe quem será proposto pelo Rei na primeira fase, mas eu creio que, embora a constituição não o imponha, deveria ser Feijóo, uma vez que, à partida, pode exibir a vitória nas eleições. Todavia, tendo o voto contrário dos nacionalistas e dos independentistas, parece ser impossível que possa vir a exibir sequer uma maioria simples. Terá, em qualquer caso, a oposição maioritária do Congresso. E Sánchez poderá conseguir, numa situação muito delicada, reconheça-se, a investidura se conseguir o apoio dos nacionalistas e independentistas. Caso contrário voltará a haver eleições, como já sucedeu.
Ou seja, poderá acontecer em Espanha o que aconteceu em Portugal em 2015. Mas é assim que funciona a democracia: a titularidade do mandato é dos deputados, não dos partidos, e é o princípio da maioria parlamentar que determina a formação do poder executivo. É muito simples o funcionamento da democracia representativa. E, em nome desta simplicidade, penso que o Rei deverá, num primeiro momento, propor Feijóo e só depois, caso fracasse a sua tentativa, proporá Sánchez.
Em Portugal, a democracia também funciona assim. Mas só no plano nacional, porque no plano da democracia local o sistema é diferente. E a minha posição sobre este último sistema é que, se ele fazia sentido logo a seguir ao 25 de Abril, porque favorecia uma melhor integração e até uma mais ampla aprendizagem política, hoje esta democracia deveria funcionar como a democracia no plano nacional: da eleição da Assembleia Municipal resultaria a formação do executivo segundo o princípio da maioria, que seria decisivo para a investidura. Os vereadores deveriam sair obrigatoriamente da AM, mas seriam de livre escolha do presidente da Câmara (o líder do partido ou do bloco maioritário), tal como os ministros.
Creio que com esta mudança a eficácia política do executivo aumentaria, tal como aumentaria a importância e a qualificação do órgão deliberativo. Tratar-se-ia, pois, de uma simplificação do sistema político, aumentando não só a sua eficácia, mas também a sua própria legitimidade.
Lembro-me que, em tempos, o PS e o PSD assinaram um acordo sobre o sistema de governo local que ia neste sentido. E bem. E penso que foi com a mudança de liderança do PSD que o acordo foi rasgado, encontrando-nos hoje com o velho sistema. Mas creio que é um dossier que os partidos deveriam retomar para uma profunda reforma da democracia local, melhorando a sua governabilidade e a sua legitimidade política, designadamente através de uma qualificação e reforço de poderes e competências do órgão deliberativo.
Alguém dirá que este sistema levanta os problemas que foram suscitados em 2015 e que agora se repetem em Espanha. Mas não, não creio que sejam questões pertinentes porque os dois princípios do sistema democrático são claros: nos regimes parlamentares os executivos resultam dos parlamentos e o princípio-chave é o da maioria (parlamentar). E considero que também a democracia local ganharia com este sistema. Por isso bater-me-ei por esta mudança, simplesmente porque a considero melhor do que o atual sistema, numa realidade, a local, que tem uma enorme relevância na coesão da nossa sociedade.
* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e líder da concelhia socialista da Guarda