A Serra da Estrela

Escrito por José Valbom

“A Serra da Estrela deve ser a âncora de um território com agricultura, agropastorícia e silvicultura economicamente rentável, sustentável económica, social e ambientalmente.”

Objetivamente, a área do Parque Natural da Serra da Estrela é cerca de 88.850 hectares no ponto mais alto de Portugal Continental. Matos, florestas, pouca vegetação e zonas descobertas (deserto em expansão). Granito – pedra dura e resistente como os seus habitantes. Fonte de vida: rios Mondego e Alva (Bacia Hidrográfica do Mondego) e Zêzere (Bacia Hidrográfica do Tejo). Despovoamento crescente. De 2011 a 2021 perdeu mais de 10% da população. (1)
Para Miguel Torga é: «Alta, imensa, enigmática, a sua presença física é logo uma obsessão. Todas as verdades locais emanam dela. Tudo se cria nela, tudo mergulha as raízes no seu largo e materno seio. Ela comanda, bafeja, castiga e redime. A Estrela não divide: concentra. Somente a quem a passeia, a quem a namora duma paixão presente e esforçada, abre o coração e os tesouros. Então, numa generosidade milionária, mostra tudo».
Território inexplorado até 1881. A Serra da Estrela permanecia um colosso ameaçador. Só os pastores conheciam os seus agrestes cumes. (2)
Para nós – os Beirões – é tudo isso e muito mais.
É o nosso Alter-ego no sentido cunhado por Cícero de alguém próximo, em quem se deposita total confiança. De facto, estamos irmanados, o Granito e os Beirões são da mesma massa. O incêndio de 6 de agosto de 2022 deixou uma cicatriz, física e afetiva irrecuperável, em 25% deste corpo.
A) O útil e necessário. O conjuntural.
O programa de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela – 2023, elaborado com uma metodologia participativa, (o que se sublinha), apresenta uma estimativa orçamental de cerca de 33 milhões de euros. Prevê afetar: 60% ao Ambiente, Proteção Civil, Florestas, Agricultura e Ordenamento do Território; 15% às Pessoas, Inovação Social, Demografia e Habitação; 14% à Economia, Competitividade e Internacionalização e 11% à Cultura, Turismo e Marketing Territorial. É um programa de curto/médio prazo – «idealizado até 2030, sendo que os projetos têm uma duração de 30 a 60 meses».
O interior agradece. A Serra também. Os Beirões dizem bem-haja.
Mas é suficiente? Não. É evidente que não.
B) O indispensável. O estrutural.
É necessário complementar o tático (visão de curto/médio prazo) com o estratégico (uma visão de longo prazo).
O que queremos na Serra e da Serra daqui a 20, 30, 50 anos? A Serra dos nossos filhos e netos deve ser o quê? Gerida por quem? Pelos seus habitantes e representantes locais, ou por um sistema centralista e burocrático? No fundo, como diz João Nicolau da Fonseca, no discurso de 10/06/2023 «… em pleno século XXI não faz sentido manter uma administração política e burocrática com leis que não se adequam à realidade». (3)
A Serra na sua altura de 1.993 metros deve inspirar-nos, não descurando o atual programa, a pensar o futuro. Levantar a cabeça e ver mais longe.
A Serra da Estrela deve ser o centro de um território demograficamente sustentável.
São indispensáveis políticas demográficas articuladas e sustentadas no tempo, imunes aos ciclos eleitorais. Problema grave e complexo a necessitar de consenso urgente: está a ser ultrapassado o ponto de não retorno em extensas áreas e em vários concelhos do interior. A Demografia, pelo âmbito e profundidade, não responde a ações pontuais – subsídios por nascimentos, subsídios para fixar profissionais (médicos, por ex.), etc. – que para além de ineficazes levantam problemas éticos e de equidade.
A Serra da Estrela deve ser a âncora de um território com agricultura, agropastorícia e silvicultura economicamente rentável, sustentável económica, social e ambientalmente. É indispensável uma política agrícola neste país sem Ministério da Agricultura (de facto para o mundo rural do) há muitos anos. A agricultura é hoje muito mais que fonte de produção, é jardinagem do território, fator nuclear de sustentabilidade ambiental e mitigador do caos climático (incêndios rurais). A humanidade tem de invocar o seu instinto biológico. (3) O interior tem que invocar o seu instinto telúrico. É necessário atribuir valor económico aos contributos das comunidades rurais pelo papel fundamental, (primordial), para o equilíbrio ecológico e sustentabilidade ambiental do País, florestas, água, produção agrícola e ordenamento do território.
A Serra de forma simbólica, e o interior como um todo, necessita de um programa estrutural de médio/longo prazo, pensado, executado e avaliado ao longo do tempo. O Movimento pelo Interior (2018) (4) idealizado por Álvaro Amaro, operacionalizado, entre muitos outros, por Miguel Cadilhe, Silva Peneda e o saudoso Jorge Coelho, envolvendo a academia e agentes locais, apresentou uma proposta. Quase nada foi implementado. O resultado está à vista. O fosso entre a mediana do comum dos indicadores sócio económicos entre o interior e o litoral acentuou-se. É evidente a falência das políticas públicas de equidade territorial nas últimas décadas.
No fundo, se continuarmos a olhar para hoje, vai impor-se como dolorosa verdade o que me disse a Serra, (agora “Alter Ego” literário), um destes dias ao ouvido: «Trocava os 33 milhões por 15 ou 20 em duas ou três mini-hídricas e consideração pelos meus amigos agricultores e pastores».
Sim. Porque estes meus amigos dão vida e alimentam a nossa esperança.
Relatório Técnico de apoio à elaboração do Programa de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela, Julho, 2023.
Paula M. Pinheiro – Uma Viagem ao Cume do Conhecimento – a expedição científica à Serra da Estrela em 1881; Câmara Municipal de Seia, 2022
Denis Hayes, jornal Público, 19/8/2023
Discurso de João Nicolau de Almeida, dia 10/06/2023.
Movimento pelo Interior, 2018

* Médico e deputado municipal do movimento independente “Pela Guarda”

Sobre o autor

José Valbom

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