Os agricultores a mourejar de sol a sol, empobrecendo alegremente, estavam adormecidos. Um dia… há sempre um dia!!!
Provocados por um corte (dissimulado e intempestivo) de 35% nos apoios à conversão de terras para a agricultura biológica, acordaram e viram com total nitidez que o Ministério, mais que adormecido (morto), ressuscitou e tenta comprar o seu silêncio, com cerca de 400 milhões. O Ministério acordou tarde, nunca olhou para os agricultores, nem ouviu o poeta quando diz «quem sabe faz a hora, não espera acontecer».
Os agricultores, ainda estremunhados, ouvem o coro de protestos de outras paragens – toda a Europa – e vão para a praça. Gente arredia a espalhafatos e multidões, presa aos seus afazeres e animais, habituada a só barafustar com as intempéries, não teve alternativa. Montados nos seus cavalos de trabalho – os tratores – com fato domingueiro e boina (o hábito faz o monge em todas as paragens), disseram “presente”. Pelo caminho e de caminho, teve tempo para dizer que ia sozinho (a dignidade tem um preço e esta gente sabe quanto lhe tem custado), dispensava a companhia da extrema-direita e outros amigos de ocasião.
Ao chegar ao adro, em conversa com os companheiros de infortúnio, entendeu que as longas horas de privação de sono para preencher papéis e papeladas acontecia a todos. Não era ele que era lerdo nas letras e nas contas. Era, e é de forma crescente, a teia burocrática da PAC. Alguns, desanimados, desabafavam: «quase não tenho tempo para ir ao campo, papéis e mais papéis».
Mais trabalho, menos rendimentos. A Comissão Europeia reconhece-o. A PAC, ao alocar 25% a 35% das dotações ao domínio ambiental, deu “uma dentada” aos
rendimentos diretos dos agricultores. O índice de preços da FAO caiu de 144,7 pontos em 2022 para 118 em janeiro de 2024. O preço da energia e dos fatores de produção não pára de aumentar. Só 24% do preço pago pelos consumidores no supermercado chega ao bolso dos produtores (estudo do GPP). Filhos de um “Deus menor” para as entidades reguladoras.
A Europa, ao mesmo tempo que faz exigências, essencialmente no domínio ambiental e saúde pública, no âmbito de produtos geneticamente modificados e utilização de produtos químicos, faz vista grossa noutras paragens.
Outros interesses se levantam! Entre nós, o susto (em período eleitoral, o susto é sempre maior) foi suficiente para que o corte de 35% atrás referido tivesse uma reversão imediata com a promessa de compensação pelo orçamento geral de Estado. Vamos ver como, considerando que as ajudas diretas do governo ao setor são proibidas pela Europa. Dirá a Sra. Ministra: já não é problema meu!
É consensual, é reconhecido, até pelo Ministério da Agricultura (agora acordado), que há uma efetiva «depreciação do estatuto social dos agricultores». Esta depreciação é muito injusta, considerando o papel fundamental do setor durante a pandemia enquanto garante da segurança alimentar de todos nós. Durante a pandemia, sempre, e desde sempre – direi eu.
Os agricultores, os jardineiros do território, têm feito grandes progressos no âmbito da
sustentabilidade ambiental, mas não podem ser os únicos a pagar a fatura do Pacto Ecológico Europeu (“Green Deal”). Bem vistas as coisas, a agricultura europeia é responsável por 0,7% das emissões mundiais.
Todas as mudanças, e esta é indispensável, devem ser planeadas, equitativas,
consensualizadas com o setor e implementadas de forma coerente e progressiva.
Esta crise, todas as crises, tem muitas causas, mas o que faz espoletar a revolta é a sensação de injustiça relativa – a desconsideração do sector nas palavras de Arlindo Cunha. Foi o caso!
Palavra dos outros:
1. «O grito dos agricultores não é de extrema-direita, é do coração». Agricultor belga, in
“Financial Times”.
2. «Na estratégia europeia “The Farm To Fork”, (do prado ao prato) é bom lembrar que só há prato se houver prado». Alvaro Amaro , in Forum TSF, 2.2.24