A candidatura da Guarda e da Beira Interior a Capital Europeia da Cultura não singrou.
Como Leiria ou Faro, arriscámos ser mais do que a visão de transformação de um núcleo urbano tradicional e o júri europeu não apreciou a nossa ambição – ou não acreditou na nossa capacidade para a concretizar. O relatório oficial o dirá. Mas o importante, para nós, é termos entrevisto o potencial da nossa aspiração de mudança.
Como já tive oportunidade de dizer, acreditámos que a Capital Europeia da Cultura poderia ser uma alavanca para pensar os desafios que estão a chegar, desde a emergência climática ao despovoamento, desde a insegurança alimentar à crise ecológica, desde a transição energética às migrações globais – muitas das alterações radicais que a guerra da Ucrânia veio agora acelerar de forma inesperada e dolorosa.
Acreditámos que a Capital Europeia da Cultura poderia ser um contributo importante para injetar espírito metropolitano, capacitação e novas economias numa região que, cada vez mais, deve funcionar como uma unidade territorial e se deve assumir como metrópole extensiva e de baixa densidade.
Acreditámos que o sonho de Uma Capital Europeia da Cultura podia ser um gatilho importante para a mudança.
Infelizmente, a Capital Europeia da Cultura não acreditou em nós. O júri da Comissão Europeia preferiu jogar pelo seguro. Bem hajam. Porque talvez nos tenham feito perceber algo essencial: na verdade, não temos que contar com a Europa para vir resolver os nossos problemas. Uma vez identificadas as nossas fraquezas, mas também o nosso potencial, devemos perceber que podemos ser nós a liderar a mudança.
Depois do reconhecimento do território que fizemos durante a preparação da Candidatura a Capital Europeia da Cultura não temos pudor em afirmar que, sem mudança positiva, sem essa transformação que preconizámos em direção a uma região de boas-vindas ecologicamente sã, a Beira Interior está simplesmente destinada a transformar-se numa reserva natural.
Com a população a desaparecer a um rácio de 10 a 12% a cada dez anos, por volta de 2080 a Beira Interior não será mais do que a reserva agrícola e ecológica do país. Talvez quem governe os destinos de Portugal já tenha analisado os números com frieza e, com a notória assimetria das suas decisões de investimento, esteja simplesmente a deixar acontecer esse destino.
Mas quem vive e acredita na Beira Interior para além das ambições de curto prazo, não tem que aceitar passivamente esse fado.
Na apresentação final da nossa Candidatura, retomámos uma frase de José Saramago que, poeticamente, afirma que «o destino de um país está no seu interior». Retomámos essa frase pelo seu lado menos óbvio: triste é o país que não acredita no seu interior. Por isso, as minhas palavras finais neste processo são de exortação, de mais um apelo ao interior.
As minhas palavras são de apelo às nossas gentes, orgulhosas das suas tradições, para que não deixem morrer a sua cultura na falsa ilusão de que mais vale sozinhos do que mal-acompanhados. Em cultura, as más companhias serão sempre bem-vindas, pela destabilização e pela inovação que acrescentam ao “talento local”.
As minhas palavras são de estímulo aos maravilhosos parceiros culturais que encontrámos no território, a lutar, por pura carolice, pela sua cultura e pelas suas comunidades. Contra a ignorância e contra o caciquismo de alguns poderes locais, continuem a acreditar no poder transformador da ação de proximidade que fazem junto dos jovens, dos mais idosos e dos menos capacitados com quem trabalham. Os projetos que idealizámos juntos são o legado mais importante do esforço desta Candidatura – e agora que estão na vossa imaginação, podem fazê-los acontecer ainda antes de 2027.
As minhas palavras vão também para aqueles autarcas com que dialogámos com prazer, aqueles que verdadeiramente mostraram uma visão de longo prazo para a região. Eles sabem quem são. Tomem as rédeas das estruturas intermunicipais que, neste território, estão muito aquém do seu potencial e salvem a vossa região de um triste e certo destino – se não se extirparem rapidamente os defeitos do passado.
As minhas palavras vão, finalmente, para aqueles que, como eu, vindos de Portugal, da diáspora ou da Europa, redescobriram – e continuarão a redescobrir – a região. Aqueles que acreditam que, a partir daqui, podem continuar a conversar com o mundo. São pequenas comunidades internacionais, são núcleos de regressados em idade ativa, são migrantes e refugiados. Todos trazem espírito cosmopolita e conhecimento para a região. Exorto-os a serem cada vez mais dinâmicos neste território que vos acolhe.
Durante o processo de Candidatura, redescobri a região em que nasci e troquei um apartamento T1 no Porto por uma pequena quinta em ruínas ao largo da Covilhã. Mesmo perante o desaire da nossa Candidatura, continuo a acreditar que a mudança que iniciei – e o singelo projeto de regeneração que estou a começar nesse microterritório, metade reserva agrícola, metade reserva ecológica – foram das decisões mais acertadas da minha vida.
Pessoalmente, só me resta assim agradecer a todos os que acreditaram connosco na ambição de 2027. O grande evento internacional e a súbita injeção económica poderão nunca chegar, mas o sonho e a vontade continuam cá.
*Diretor executivo da Guarda2027