Eduardo Lourenço regressou onde tudo começou após mais de 60 anos de itinerância. O pensador e ensaísta foi sepultado esta quinta-feira em São Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida, onde nasceu a 23 de maio de 1923.
Personalidade intelectual, cultural, ética e cívica que marcou o século XX português, Eduardo Lourenço faleceu esta terça-feira, em Lisboa, aos 97 anos. Em 2011, o júri do Prémio Pessoa justificava a atribuição do galardão ao filósofo dizendo que Eduardo Lourenço «é um português de que os portugueses se podem e devem orgulhar. O espírito de Eduardo Lourenço foi sempre reforçado pela sua cidadania atenta e atuante. Portugal precisa de vozes como esta. E de obras como esta». Distinguir «décadas de dedicação, labor e curiosidade intelectual, que o levaram à constituição de uma obra filosófica, ensaística e literária sem paralelo», foi outro dos argumentos invocados na altura. Numa entrevista a O INTERIOR em agosto desse ano, Eduardo Lourenço falou do crepúsculo da sua vida. «Saí de Portugal por causa de uma espécie de curiosidade intelectual e encontrei um reino quando afinal o verdadeiro reino era este onde estou», afirmou. De uma lucidez enriquecedora, o pensador e ensaísta considerou ainda que Portugal é «uma tragédia», mas acrescentou que para que se possa levar melhor, tem «muita comédia e alguma farsa». Na sua opinião, o futuro do país está na Europa, agora que já não podemos «fazer vida» pelo mundo. «O nosso passado glorioso já pouco serve», garantiu.
Frequentou o Liceu da Guarda e cursou Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde lecionou como professor assistente até 1953, assumindo desde então uma atitude crítica e um pensamento autónomo. No ano seguinte lecionou nas universidades de Hamburgo e Heidelberg (Alemanha), Montpellier (França), São Salvador da Baía (Brasil), Grenoble e Nice (ambas em França), onde se aposentou em 1988, ficando a viver na região de Vence até 2013, altura em que, após a morte da esposa, Annie Salomon de Faria, regressou a Portugal. Autor de vasta obra ensaística e filosófica, orientada por uma constante argumentação personalista, é considerado o «expoente máximo» do ensaísmo literário e cultural contemporâneo. Eduardo Lourenço foi unanimemente reconhecido no meio universitário com quatro Doutoramentos Honoris Causa e no meio cultural e social com a atribuição de vários prémios nacionais e internacionais, para além de condecorações do Estado Português, Francês e Espanhol, e de inúmeras homenagens.
Em 1999, por ocasião dos 800 anos da cidade, lançou o desafio de se criar na Guarda um «Instituto da Civilização Ibérica» que unisse as duas universidades mais antigas da Península (Coimbra e Salamanca). O repto deu origem ao Centro de Estudos Ibéricos, de que foi diretor honorífico, e que, em 2004, instituiu o Prémio Eduardo Lourenço para distinguir anualmente personalidades ou instituições com intervenção relevante no âmbito da cultura, cidadania e cooperação ibéricas. Neste regresso à cidade onde estudou, com Vergílio Ferreira, doou grande parte do seu acervo literário à biblioteca municipal Eduardo Lourenço, inaugurada em 2008 e que é doravante a guardiã do pensamento livre e humanista do seu patrono.