Cara a Cara

«Tem de haver uma escola que dê ao cidadão ferramentas e conhecimentos para fazer uma sondagem da qualidade alimentar»

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Escrito por Efigénia Marques
P – Começando pelo título, o que é isto da Iliteracia Alimentar? Qual é o conceito? R – O conceito está desenvolvido logo no início do livro e, no fundo, trata-se de fazer uma focagem à iliteracia que nos abrange a todos. A ideia do livro é que no mundo de hoje quase ninguém produz alimentos, como o consumidor não os produz, ele praticamente desconhece o processo de produção e está desligado da produção. Há uma grande perda para quem não lida diretamente com as coisas porque as pessoas têm uma perceção por delegação e há muita ignorância do sentido das coisas, pois não temos um contacto com a matriz original. Temos uma série infinita de alimentos, mas não sabemos como aparecem no mercado e é evidente que isto gera a necessidade de nos informamos e obter conhecimentos. E quem não sabe tem de aprender, tem de ter lições. P – E de que forma acha que as pessoas poderiam ter esse conhecimento? R – A “Crónica de Gastronomia e Iliteracia Alimentar – Um Pé na Tradição, Um Olhar na Ciência” debruça-se um pouco sobre isso e de facto há vários caminhos, mas o caminho aqui apontado e que resulta de uma recolha da opinião de cientistas, pessoas abalizadas e gente muito bem credenciada, que apontam um caminho: a única maneira de se conseguir alguma literacia é na escola. Ainda há dias falei com alguém que me disse “essa ideia de que as pessoas não estudam alimentação ou que o currículo escolar não tem formação, é errado” e respondi que os cursos de alimentação normalmente não são dirigidos ao cidadão. Temos formação para nutricionistas, para pessoas que trabalham na alimentação, em restaurantes ou hotéis… O que defendo é outra coisa, é esta perspetiva autodidata. Eu, por exemplo, comecei um curso de mestrado na Universidade Aberta e, na minha inscrição, foi-me perguntado para que queria o curso, uma vez que já tinha uma carreira. Respondi que queria apenas conhecimentos e alguma credenciação em bioquímica da alimentação. Tem de haver uma escola que dê ao cidadão ferramentas e conhecimentos para fazer uma sondagem da qualidade alimentar. P – O que quer dizer com medicinas tradicionais e de que forma estão ligadas à literacia alimentar? R – Este livro foi concebido no âmbito de uma confraria e estas estão muito viradas para a conservação das tradições. É evidente que parte de algumas iniciativas tomadas na defesa de alguns conceitos, que inicialmente passavam por desenvolver conhecimentos sobre dietas e regimes alimentares no âmbito das confrarias. Mas também foi escrito durante a pandemia e à medida que se ia minutando o livro foi-se orientando a recolha de fontes e muitas delas podem estar incluídas não só nos programas oficiais do Governo, mas sobretudo na sociedade civil. A nossa sociedade inclui muitas instituições e pessoas que trabalham em paralelo com o Estado, e muitas delas pertencem às medicinas alternativas. Hoje, temos diplomas legais a autorizar o exercício da atividade das terapias tradicionais e está tudo regulamentado. As medicinas tradicionais estão aí em grande crescimento, mas ainda há pessoas que veem isso com algumas reservas. Mas a verdade é que muitas destas medicinas assentam em conhecimentos antigos, que tinham a sua razão de ser e hoje contêm práticas que têm muito valor porque têm mais proximidade com o cidadão. Porque nos hospitais e nas medicinas convencionais, o médico normalmente executa uma prescrição com base num relatório de análises clínicas e a proximidade com o utente, às vezes, é muito escassa. P – O que é feito da Confraria dos Enófilos e Gastrónomos da Beira Serra? R – A confraria está a viver com saúde razoável, na medida que é uma associação que defende valores que estão estatutariamente definidos. Está devidamente organizada, defende aspetos de desenvolvimento cultural, quando possível. A Confraria Beira Serra tem algumas dificuldades, dentro das dificuldades associativas, mas procuram-se resolver esses obstáculos com a intensificação de bons programas. Este livro foi também pensado para dar conteúdo e dar mais força à confraria, para ela manter a defesa dos fins estatuários, sendo mais um espaço de desempenho associativo. P – Quanto ao desperdício alimentar, de que tanto se tem falado e lutado contra nos últimos tempos, qual é a sua opinião? R – O desperdício alimentar é qualquer coisa que nem se imagina em que consiste. No livro refiro um pouco o que é, mas não é o suficiente. Por exemplo, falo na dieta macrobiótica e exemplifico de que forma a macrobiótica pode ter algum conflito com a dieta paleolítica. Quando se fala em desperdício é utilizar alimentos desperdiçando o menos possível. Por exemplo, na dieta tradicional o grão de trigo é moído e quando chega à mesa vem na forma de panificação, já na dieta macrobiótica o grão é demolhado e é consumido de forma integral. Ou seja, a dieta macrobiótica permite o aproveitamento de 100 por cento do alimento, nada é desperdiçado. Se formos rigorosos, um pedaço de pão tem sempre desperdício porque a côdea é para deitar fora. Aliás, se formos levar à risca os conselhos dos nutricionistas e dos cientistas alimentares, grande parte do pão é para deitar fora pelos malefícios para a saúde. _________________________________________________________________________

AUGUSTO LOURENÇO ISIDORO

Autor do livro “Crónica de Gastronomia e Iliteracia Alimentar – Um Pé na Tradição, Um Olhar na Ciência” Idade: 71 anos Naturalidade: Vale de Madeira (Pinhel) Profissão: Magistrado do Ministério Público jubilado Currículo (resumido): Licenciado em Direito; Fez carreira na magistratura, tendo terminado nos tribunais superiores; Está jubilado desde 2017 Hobbies: Associativismo, grupo coral, jardinagem e fruticultura  

Sobre o autor

Efigénia Marques

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