Cara a Cara

«A situação do país é muito delicada e complexa e pode resultar em eleições a curto prazo»

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Escrito por Sofia Pereira

P – Qual é a reação aos resultados das eleições legislativas de 2024?
R – Foi uma disputa bastante renhida entre o Partido Socialista e a Aliança Democrática, foi praticamente um empate técnico. Ainda não sabemos o que vai acontecer com os quatro deputados da Europa e resto do mundo, mas na verdade trata-se de um empate técnico. A grande novidade é o resultado do Chega, que se previa que andaria por estes valores em termos de percentagem e mandatos de deputados. Por outro lado, é uma tendência que se vem verificando na Europa, de afirmação da direita radical que já chegou a Portugal. Os resultados eleitorais do Chega equivalem a quatro vezes o valor de deputados que tinham – neste momento são 48. É de facto uma alteração substantiva do nosso sistema de partidos, em que há um terceiro que pode disputar, no futuro, a própria liderança eleitoral. Também se constata que a diferença entre os votos da AD, juntamente com a IL, em princípio serão inferiores ao conjunto de votos da esquerda. Ainda haveremos de ver o que acontece com os deputados dos círculos da emigração. Se tivéssemos o resultado final tal como está, Luís Montenegro não conseguiria aprovar o próximo Orçamento sem o apoio do Chega. Isto cria uma situação muito complexa até porque o líder do Chega vai exigir uma negociação muito intensa para que haja uma estabilidade de Governo, o que significa que Luís Montenegro vai ter um problema atendendo à posição radical que tomou anteriormente. Esta situação é complexa e delicada e pode levar a eleições de novo e a curto prazo. Os resultados da emigração vão decidir a possibilidade da AD juntamente com a IL poderem vir a ter mais votos – o que não acredito – do que o conjunto de toda a esquerda que poderá vir a chumbar o Orçamento.

P – E como fica o Partido Socialista agora?
R – A posição do líder do PS foi muito clara. Está na oposição porque a esquerda nunca conseguiria formar Governo, visto que a direita moderada e a direita radical têm um resultado elevadíssimo. Pedro Nuno Santos vai promover uma forte mudança no partido, que eu creio que é necessária, descolando-se da liderança de António Costa. Isto também é novidade porque o PS vai entrar num novo estilo de exercício político e isso é bom. Há muito que venho escrevendo que há coisas que não estão bem no PS e este líder tem condições para alterar isso. O sistema de partidos que funcionava em alternância está a ser fragmentado cada vez mais e estes partidos ou mudam ou a instabilidade política vai instalar-se – o que não é bom para o funcionamento da democracia, que requer alguma estabilidade.

P – Na Guarda houve uma derrota do PS (que deixou fugir um deputado para o Chega) visto que em 2022 ganhou em 11 dos concelhos do distrito e este ano venceu apenas em cinco. Qual é o comentário?
R – Ainda não analisei concretamente o círculo da Guarda. Parece-me que os resultados espelham aquilo que aconteceu no país, com a emergência deste partido, um terceiro polo, que vem alterar o clássico bipartidarismo. A hipótese de serem eleitos 1-1-1 deputados pela Guarda já estava em cima da mesa, mas creio que o que aconteceu não requer uma explicação especial. No país o PS teve uma queda de 41 por cento para os 28 por cento, uma queda de 13 pontos, e no círculo da Guarda isso também se verificou. O PS mais o PSD ainda mantém o “score” que está abaixo dos 60 por cento, mas ainda é alto. Se compararmos com o que aconteceu há dois anos, há uma quebra do chamado “bloco central” de mais de 10 pontos e isso representa uma mudança bastante significativa. Creio que o resultado da Guarda se explica pelo resultado nacional, pelo crescimento em todo o território deste partido, que representa o protesto relativamente às dificuldades que se vivem.

P – Sendo Luís Montenegro a governar a seguir, o que se pode esperar?
R – Se vier a ser indigitado, o que é provável, e se se confirmar a diferença que mantém neste momento do PS – que é tangencial –, certamente que o Presidente da República confiará em Luís Montenegro e também passará na primeira fase, uma vez que não haverá uma moção de rejeição ou de confiança. Pelo menos durante uns meses iremos ter um governo com Luís Montenegro a primeiro-ministro. Mas já não estou tão certo que, quando se tratar do Orçamento, haja a possibilidade de prosseguir o seu caminho porque se a esquerda tiver mais deputados do que o bloco da direita moderada, à partida Luís Montenegro vai precisar do voto a favor do Chega. Perante o que disse sobre o apoio do Chega… Ou engole um grande sapo e entra em negociação, ou então vamos para eleições. Por outro lado, também não se sabe quais são as exigências que André Ventura vai pôr em cima da mesa, mas o que parece e pode vir a acontecer é Luís Montenegro não conseguir fazer passar o Orçamento e, portanto, entramos numa crise. Isto é muito plausível, mas veremos quando houver resultados finais. O que conviria a Luís Montenegro seria algo parecido com o que aconteceu nos Açores – em que toda a esquerda unida não consegue derrotar no Parlamento a maioria do PSD – e, portanto, o PSD só cairia com uma posição negativa do Chega. Não sei se isso se verificará aqui também. É provável que não… tradicionalmente nos círculos da emigração é 2-2, para o PS e PSD, mas neste momento há um terceiro protagonista que pode ter algum mandato. A situação é muito delicada, muito complexa e pode resultar em eleições a curto prazo. Depende do que acontecer entre o PSD e o Chega.

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JOÃO DE ALMEIDA SANTOS

Professor universitário aposentado

Idade: 75 anos

Naturalidade: Famalicão da Serra (Guarda)

Currículo (resumido): Licenciado em Filosofia. Doutorado pela Universidade de Roma “La Sapienza” e pela Universidade Complutense de Madrid, nas quais foi também professor. Foi diretor da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração (2015-2020) e Diretor do Departamento de Ciência Política, Lusofonia e Relações Internacionais da ULHT, Lisboa (2012-2020)

Livro preferido: “O desassossego” de Fernando Pessoa, e “A Montanha Mágica” de Thomas Mann

Filme preferido: “Il Gattopardo” e “La caduta degli dei” de Luchino Visconti

Hobbies: Pintura e passear

Sobre o autor

Sofia Pereira

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