P – A Associação GO Romaria e a Romaria Cultural estão intrinsecamente ligadas, como surgiu a ideia do evento e depois a associação?
R – A associação proveio do evento em si. O evento partiu da ideia de três amigos meus, a Sandra, o António e o Joel, que quiseram algo que consideraram uma pedrada no charco para o que era a oferta cultural em Gouveia na altura. O desejo era criar um evento que tivesse um acesso à cultura e às artes mais democratizado, que tivesse palcos mais informais, que trouxesse as artes para a rua, tendo a primeira edição, em 2014, mais de 60 atividades. Eu até participei com uma exposição numa galeria. Essa primeira edição teve uma adesão muito interessante e eles rapidamente se encontraram sem mãos a medir e os amigos deles, que estavam muitas vezes a ser protagonistas de concertos ou exposições (como era o meu caso), ajudaram-nos mais e foram voluntários dessa edição. Depois em 2015, este núcleo de pessoas pensou se não faria sentido formalizar aquilo como projeto ou associação porque dessa forma já teríamos acesso a outros financiamentos.
P – Aquando da primeira romaria, achavam que iam chegar até esta edição. Qual é a sensação de celebrar uma década?
R – Bem, ainda há muito a fazer, mas o festival tem trilhado um caminho de afirmação regional e também nacional, que corresponde à intenção inicial. Faço parte dos sócios fundadores e a associação tem alguns princípios, como o festival ser de acesso gratuito, acontecer nas ruas e ter um caráter urbano, sem bilhete e sem recinto. Isto para haver liberdade para circular e haver uma lógica de programação mais descontraída para que a Romaria Cultural seja um festival multidisciplinar, sendo a missão original da associação promover também o concelho de Gouveia, o seu comércio local, a gastronomia, património, memória e tradições. Isso tudo acaba por confluir no nome romaria cultural, que é uma recriação da romaria antiga do Senhor do Calvário mas num contexto contemporâneo.
P – Todas as atividades são gratuitas e a própria associação não tem fins lucrativos. Como é realizar um evento com tantas atividades? Parte tudo de parcerias com outras associações ou a autarquia também ajuda?
R – Sim, o município é o principal parceiro e financiador, mas já podemos dizer – e até com algum orgulho – que, apesar de ser o principal financiador, esse financiamento já corresponde a menos de 50 por cento do orçamento total do festival. Isso é bom porque também sentimos o dever de encontrar outras fontes de financiamento e de termos alguma receita própria. Além dos apoios do município, já temos um apoio relativamente regular do IPDJ e da Direção Regional de Cultura do Centro, que também contribuem para que o festival tenha vindo a crescer um bocadinho.
P – E quanto é que custa exatamente organizar esta romaria cultural?
R – Para além do financiamento que mencionei, temos também alguns apoios privados locais e depois o restante é receita própria, seja cotas de sócios, receita de comidas e bebidas ou “merchandising”. Tudo isto totaliza num orçamento entre os 20/25 mil euros, que acho que é manifestamente pouco tendo em conta o número de atividades que temos.
P – E a associação tem outras atividades ou eventos planeados para o futuro?
R – Temos, pelo menos, mais dois garantidos. Há uma atividade que acontece no período natalício, que se chama “Luz do Candeeiro”, que é a apoderação do espaço comercial ou associativo de Gouveia para um dia multidisciplinar com jogos de tabuleiro contemporâneos, mostras de curtas-metragens, tertúlias, etc. Outra atividade que queremos promover é a criação de produtos artísticos que sejam identitários de Gouveia. Isto, porque queremos trazer dinâmica e pessoas para o território e depois também criarmos algo que é único.
P – Na primeira edição, Gouveia era considerada uma das cidades mais envelhecidas do país. Acha que, de certa forma, este evento tem ajudado na revitalização da cidade?
R – Sim, em 2014 o concelho de Gouveia era o mais envelhecido do país e isso foi reconfirmado pelos Censos de 2019, mas o território está a transformar-se e hoje em dia há, por exemplo, uma população estrangeira residente que não havia na altura e que são um público particularmente curioso e ativo. Esse público, aliado a artistas que queiram apresentar os seus trabalhos aqui, constituem sempre uma população flutuante que passa por Gouveia numa dada altura e só isso já tem o seu impacto social, cultural e económico. Este projeto da romaria cultural enquanto produto artístico também tem um papel de complementaridade ao turismo da região, de vinhos, natureza e gastronómico,
portanto, acho que o festival funciona de forma muito orgânica e pode constituir um fator de diferenciação na escolha das pessoas. Tivemos um artista que participou na romaria em 2021 e voltou em 2022 e 2023 para residências artísticas que nos propôs e, recentemente, ele foi viver para uma aldeia do concelho. Não tem nenhumas raízes familiares aqui, mas está agora a criá-las acabando por concretizar aquilo que nós sempre procuramos, que é fixar pessoas num território que está a ficar despovoado.
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JOÃO NUNO RIBEIRO
Sócio fundador da GO Romaria
Idade: 36 anos
Naturalidade: Gouveia
Currículo (resumido): Licenciatura em Engenharia Civil; Mestrado em Urbanismo, Transportes e Sistema – Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa
Livro preferido: “O senhor dos anéis”, de J. R. R. Tolkien
Filme preferido: “O bom, o mau e o vilão”, de Sergio Leone
Hobbies: Pintura e desenho