P – O livro “Os ladrões do azul-celeste” foi apresentado na quinta-feira, no Centro Cultural. De que trata a obra?
R – O leitor deve ter mais de 10 anos e pode ir até aos 100, mas é um livro infantojuvenil. O leitor tem de reconhecer o papel da transmissão dos saberes através dos mais velhos porque a história decorre numa situação em que um avô e uma avó vão a uma escola relatar factos que terão acontecido há mais de 50 anos – que nos leva à Revolução dos Cravos. O livro retrata uma certa valorização dos saberes dos avós, através de duas narrativas: aquilo que o avô vai fazer à escola, e o que decorre na própria escola. Na história há dois espaços: um deles é o país dos tristes, onde há muitos meninos com fome de leitura e de lerem livros, de conhecerem e poderem rir, saltar e dar cambalhotas. Há um menino que não está integrado nas normas decididas pelos guardiões dos bons costumes, que estão sempre vigilantes. Este menino acaba por ser apanhado por um deles, que o viu a sorrir – coisa proibida naquele país. Não posso adiantar mais pormenores porque senão conto toda a história. Neste livro o herói é solitário, não conta com o apoio dos outros meninos – apesar de todos estarem à espera da tomada de atitude deste herói. As ilustrações são da Maria Pimentel e livro podia ser mais apelativo se tivesse mais cor, mas não podia ter! Porque nessa altura o país era cinzento. Era um país triste.
P – O livro faz referência ao 25 de Abril de 1974, mas de forma divertida e emocionante?
R – Este livro devia ter sido publicado mais cedo, no começo das comemorações dos 50 anos da Revolução, mas houve atrasos. O objetivo é explicar aos mais novos todo o processo de luta dos revolucionários e das pessoas clandestinas. Pretende-se colocar as crianças de 12 anos no papel do outro, no outro tempo, incutir-lhes a responsabilidade que eles também podem mudar as coisas. No 25 de Abril de 1974 eu estava no fim do curso, em Coimbra, e vi pela primeira vez uma revolução. Foi um “beber” muita informação de repente, foi o tempo mais maravilhoso que desfrutei na minha vida, tive essa oportunidade. E isso deu-me ânimo para ensinar as revoluções ao longo da história e colocar os alunos no contexto histórico.
P – E porquê escrever este livro?
R – Escrever este livro foi um acidente. Tenho um neto e, em brincadeiras, ele começou a fazer aquilo que chamei de “disparatar”, e ingenuamente ele perguntou o que são disparates. Fiquei desarmada. Expliquei-lhe o que eram disparates. E decidi começar a escrever uma história que ficou péssima. Não gostei e quase abandonei a ideia, mas um dia estava a olhar para as nuvens que cobriram o sol, e ao invés do céu azul, tive a ideia de fazer uma história sobre os lápis azuis, que é ficção. Sou professora de História e dava o assunto da censura e lápis azul, mas nunca me tinha passado pela cabeça fazer uma história. Percebi que era difícil explicar aos alunos o que é escrever nas entrelinhas, em comparação com aquilo que se fazia aquando da censura. Nesta obra tentei explicar aos mais novos do que se trata o “escrever nas entrelinhas” e o porquê de se usar.
P – Qual é o “feedback” que já tem do livro?
R – Tenho um leitor beta, aquele que lê a obra antes da publicação. Na apresentação, um aluno da escola de Santa Clara fez uma apreciação e, além de ter entendido o contexto, gostou imenso da parte final em que deixo alguns trabalhos de casa (inseridos no livro). Também salientou a primeira parte, onde faço um género de prefácio (apesar de não gostar deste termo). Também as minhas colegas gostaram bastante de ler o livro, mas desde a apresentação ainda não passou muito tempo. “Os ladrões do azul-celeste” foi apresentado na quinta-feira e, no geral, até agora todos têm gostado. Sendo que há quem já me conheça do livro anterior – com contos e rimas.
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DADOS PERFIL:
Natércia Dias
Autora do livro “Os ladrões do azul-celeste”
Idade: 74 anos
Naturalidade: Valcovo, Panoias de Cima (Guarda)
Profissão: Professora de História
Currículo (resumido): Frequentou o ensino básico nas Panóias de Cima, até que veio para o liceu da Guarda. Estudou Educação na Faculdade de Letras, em Coimbra, e mais tarde regressou à Guarda – inicialmente para dar aulas no Sabugal e depois na Escola Santa Clara
Livro preferido: “Raposa”, de Aquilino Ribeiro
Filme preferido: “A rapariga que roubava livros”, de Brian Percival