P – A Rugas de Sorrisos nasceu há 10 anos, criada apenas pela Helena Saraiva. Porque é que a associação nasceu?
R – A Rugas de Sorrisos dá uma resposta importante e necessária. Criei a associação porque, se calhar, numa fase da minha vida necessitava deste serviço e não existia. Numa das minhas raras idas à missa, o senhor padre disse que estamos cada vez mais focados no nosso umbigo e a correr de um lado para o outro sem olharmos verdadeiramente para as pessoas e sem aproveitar os momentos. E tive consciência que me estava a tornar numa pessoa com a qual não me identificava. Era trabalhar, trabalhar, sem aproveitar devidamente o tempo e as pessoas que me são queridas. Resolvi abrandar o ritmo. Já não podia oferecer este serviço aos meus avós, por exemplo, que foram quem me criou e que já tinham falecido, mas podia criar esta resposta para outros avós, outros pais, outras pessoas que não tivessem nenhuma retaguarda e foi por isso que nasceu as Rugas de Sorrisos, através da qual já apoiámos 143 pessoas.
P – Para quem não conhece o serviço, o que faz a Rugas de Sorrisos?
R – Nós adaptamo-nos às necessidades individuais de cada situação através de companhia, acompanhamento a médicos, tratamentos, compras… Todo o tipo de serviços que a pessoa necessite, nós acompanhamos. Fazemos atividades de estimulação cognitiva e sensorial, de lazer, trabalhos manuais, realizamos convívios e cuidados de saúde e bem-estar. Recordo uma atividade em que fizemos maquilhagem, fotografias e vídeos e foi uma transformação porque algumas destas pessoas nunca tinham sido maquilhadas nem tinham tido esta experiência. O Rugas tenta que se valorizem, que sintam que existem e vão sempre a tempo de experimentar coisas novas. Tentamos combater o olhar do outro. Muitas das vezes estas pessoas não experimentam coisas novas com receio do que o outro vai dizer. O julgamento tem de acabar, temos de respeitar a individualidade de cada um e esse respeito é muito importante e está a perder-se.
P – Neste momento quantas pessoas garantem os serviços da Rugas de Sorrisos?
R – Eu estou a tempo inteiro a coordenar, temos duas assistentes sociais, uma psicóloga e, sempre que é necessário, temos mais duas psicólogas e uma nutricionista. Temos também alguém que trata da imagem do site. Somos sete pessoas, mais uma enfermeira que também colabora connosco, mas não está a tempo inteiro.
P – E que dificuldades vão sentindo?
R – A dificuldade é mesmo essa, manter a equipa, que é fantástica. Nunca sei como responder a essa questão porque não consigo mantê-los a todos a tempo inteiro. Trabalhamos muito a inclusão social, apoiamos gratuitamente 49 pessoas idosas em regime de inclusão social em três concelhos: Guarda, Trancoso e Mêda. Estas pessoas são referenciadas e identificadas pela GNR e andamos nos nossos carros de terra em terra. Isto tem um custo e não é fácil de manter sem recursos financeiros. Tivemos uma candidatura durante três anos e investidores que nos ajudaram nesse período, mas a candidatura terminou e agora está a ser mais complicado de gerir. Tivemos de reduzir a equipa e isso limita-nos um pouco. A equipa é fantástica e faz tudo o que pode. O envelhecimento na Guarda está a aumentar, é o distrito com mais pessoas idosas sozinhas ou isoladas e muitas delas nem estão sinalizadas. Ainda há muito a fazer.
P – São 10 anos de existência da Rugas de Sorrisos. Que balanço faz desta década e o que é que a associação trouxe à região?
R – Eu comecei sozinha há 10 anos, sem recursos nenhuns e, de repente, olho para trás com nostalgia e saudade de muitas pessoas que passaram e entretanto já não estão connosco. Mas ao mesmo tempo olho para estes 10 anos com muita esperança porque percebo que no início era um sonho, as pessoas pensavam “Rugas de Sorriso, tempo e afeto, inclusão social, o que é isso?”. Quando se quer um serviço acho que deve pagar-se por ele. Este custou a entranhar, mas agora cada vez se fala mais na importância de dignificar o envelhecimento, respeitar a individualidade de cada um e começa a fazer-se caminho e a abrir portas. Agora, quando se fala da Rugas de Sorrisos já não se faz cara feia, já dizem “o nome não me é estranho” e isso é muito gratificante. Hoje existe uma equipa, já não estou sozinha, já somos muitos a lutar pela mesma causa e a querer fazer a diferença. E saímos sempre a ganhar porque estas pessoas que temos o privilégio de acompanhar, que nos recebem nas suas casas e nas suas vidas, são sabedoria, coragem, resiliência. São valores e isto já não se vê, está a perder-se. E eu questiono o que vai ser de nós quando tivermos 80 anos? Quem vai olhar por nós se não começarmos a trabalhar isso agora? A Rugas de Sorriso trabalha para retardar a institucionalização. Nesta década cresci muito como ser humano.
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HELENA SARAIVA
Presidente e fundadora da Rugas de Sorrisos
Idade: 45 anos
Naturalidade: São Pedro, Trancoso
Currículo (resumido): Frequentou o ensino secundário e está a concluir a licenciatura em Humanidades na Universidade Aberta
Livro preferido: “Lá, onde o vento chora”, de Delia Owens
Filme preferido: Série “Navillera”
Hobbies: Escrita, leitura, cinema e desporto