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Vítimas Colaterais

De cada vez que há uma greve de magistrados ou funcionários, é normal os advogados e as partes telefonarem para o tribunal a tentarem averiguar se sim ou não vai haver greve. A ideia é saber se os seus julgamentos vão ser adiados e prevenirem-se contra isso. Se, para minha infelicidade, tiver um julgamento em Faro em dia para o qual está marcada uma greve, vou ter decidir: vou e arrisco-me a bater com o nariz na porta, ou fico e arrisco-me a dar cabo do processo? A alternativa é telefonar, perguntar se vai haver greve, e ser insultado ou, na melhor das hipóteses, receber como resposta alguma coisa como: “é melhor vir que nunca se sabe”. E assim fazemos, vamos e perdemos um dia inteiro para nada. É claro que as pessoas ficam furiosas com o sucedido mas é essa precisamente a ideia. O objectivo de uma greve é fazer mossa, é prejudicar os utentes, é causar o máximo de dano ao maior número de pessoas com a maior economia de recursos.

É o que acontece em geral nas greves dos transportes, dos médicos, dos enfermeiros. No fundo, em todas as greves em que o público em geral é o maior prejudicado com a supressão de fornecimentos e serviços. Procura-se, ao atingir o cidadão comum, o utente, aumentar a pressão, o impacto da greve. Não se procura, certamente, obter a simpatia do público. Nem que este se junte aos grevistas, num grande movimento que pressione o governo no sentido de este ceder às reivindicações. O que acontece mais frequentemente é a opinião pública colocar-se contra os grevistas, não contra o governo.

O público sente-se nessas greves um pouco como as vítimas colaterais dos bombardeamentos cirúrgicos, ou como se sente a população civil em caso de guerra. É claro que me podem dizer que numa situação destas não há inocentes, mas essa é a linguagem e a lógica do terrorismo.

Há outro problema. Estas greves de um ou dois dias pouco afectam a entidade patronal. De facto, afectam-na tão pouco que há que procurar mesmo acertar nas vítimas colaterais para se causar alguma mossa. É que o governo não paga o dia aos grevistas e o trabalho destes vai acabar por ter de se fazer: se os médicos não tratarem dos doentes hoje, vão ter de atender o dobro amanhã. Os processos vão continuar por cumprir e as estatísticas dos tribunais, e a sua produtividade, vão agravar-se.

É por isso que tradicionalmente os sindicatos criavam fundos de greve com as quotizações dos seus associados. Estes, quando entravam em greve, podiam fazê-la durante semanas, ou meses, a fio. Não recebiam do patrão, mas do fundo criado pelo sindicato. Sobrava então tempo para ganharem a opinião pública, para colocarem o odioso do lado do patrão. E este sentia duramente os efeitos da greve e, muitas vezes, era obrigado a ceder. Já agora, qual foi a última reivindicação satisfeita graças a uma destas greves de um dia?

Por: António Ferreira

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