Sociedade

O amor, a arte e o saber de quem produz facas como ninguém

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Escrito por Sofia Pereira

As afamadas facas do Verdugal são conhecidas por esse mundo fora e produzidas numa pequena aldeia, às portas da cidade da Guarda. A empresa de cutelaria Ernesto Pires & Filhos fabrica artigos de cutelaria há 76 anos

As facas do Verdugal continuam a ser produzidas no mesmo local há 76 anos, mas agora pelos filhos do proprietário da empresa. Manuel Pires, filho mais velho, conta que o pai «aprendeu a arte e começou a produzir facas num pequeno anexo em 1948» – há, portanto, 76 anos. Na altura o fabrico era «todo manual» uma vez que «não havia energia». Ernesto Pires, criador das facas de cozinha do Verdugal, já falecido, «arranjou um motor a petróleo para afiar as ferramentas» e o tempo foi passando, até que, em «1976, com a chegada da energia, surgiu a ideia de mecanizar o serviço com máquinas mais eficazes para começar». 76 anos depois de abrir portas, a Cutelaria Ernesto Pires & Filhos, Lda, localizada na aldeia do Verdugal, a 12 quilómetros da Guarda, continua a laborar com uma equipa de seis pessoas.
As facas produzidas no Verdugal criaram fama ao longo dos anos e por todo o país e, Manuel Pires, com 73 anos de idade, sente-se «feliz com a situação». A cutelaria foi a vida deste filho mais velho que, agora está reformado, mas gosta de «ocupar o tempo» a produzir facas. Manuel Pires fez a quarta classe e conta que o que aprendeu foi na fábrica com o pai. Atualmente é uma felicidade para o septuagenário saber que há pessoas que vêm do estrangeiro e contam que nos países de origem viam facas com o selo “Ernesto Pires”. O filho mais velho do criador da cutelaria «imaginava que o comércio que fazíamos era essencialmente no interior do país e na nossa região», mas agora os interessados vêm também da «França, Alemanha e por aí a diante» e garante que «de norte a sul do país temos clientes, sejam feirantes, armazenistas ou privados».
Também o irmão, António Pires, de 68 anos de idade, passou grande parte da vida na empresa de cutelaria. Conta que começou a fazer facas com 14 anos e, desde sempre, trabalha «com amor». O filho mais novo nota que «a arte, para ser criada na perfeição, demora anos, assim como o artista, a fazer-se». Por isso, para que o trabalho seja exemplar, «tem de haver uma grande dedicação». António Pires, emocionado, conta que trabalha na cutelaria «há 43 anos e nunca vou chateado para casa. Trabalho com amor a isto e com amor à arte». E é com este lema no pensamento que os resultados aparecem, assim como a «boa fama» do material fabricado no Verdugal.
Manuel Pires não assume que as facas que produz sejam melhores que as restantes, mas confessa que «se criaram fama… por alguma razão foi». O cuteleiro nota que há processos distintos para criar facas: «há pessoas que usam métodos mais modernos que, por vezes, não são os de melhor qualidade de corte», ao contrário do que se faz no Verdugal, cujo método foi ensinado por Ernesto Pires, e que dá «qualidade à ferramenta». A ter de escolher um aspeto especial das facas criadas no Verdugal, Manuel Pires fala no «tratamento térmico» que é feito à moda «antiga e artesanal».
Os seis colegas da cutelaria trabalham todos no mesmo local, como uma linha de montagem. As facas nascem através de tiras de aço, são depois colocadas num forno para que seja feito o tratamento térmico (que ultrapassa os 1020 graus), de seguida as facas são colocadas numa outra máquina por António Pires para que sejam limpas e amaciadas e, neste momento, a lâmina da faca começa a parecer-se com o aspeto final. Depois de secar, as facas são polidas e é-lhes colocado o cabo de madeira ou plástico e o selo da marca. No fim do processo, Manuel Pires afia as facas e, depois de limpas, seguem para a mão dos clientes.
A sobrinha dos irmãos Pires também trabalha na fábrica. Chama-se Helena Pires e tem 49 anos de idade. Olha para o negócio criado pelo avô com orgulho e conta que «temos tido muita procura… até procura a mais para pouca oferta», pelo que tudo o que fazem «é vendido».
A arte e o saber da cutelaria na aldeia do Verdugal foram conservados até aos dias de hoje, resultando num leque de produtos (facas, foices e navalhas) criados com métodos artesanais e matérias-primas selecionadas. A empresa Cutelaria Ernesto Pires & Filhos responde às «atuais necessidades e exigências do mercado» e oferece uma gama de «produtos diversificada».

76 anos depois, o futuro das facas do Verdugal é sombrio

Quanto ao futuro do negócio, Manuel Pires vê-o «morrer» e diz ter «pena do que está aqui investido e do ponto ao qual chegámos para agora ir tudo para o zero e ficar para a sucata». Admite que este cenário «dá-me tristeza, mas não posso fazer nada».
Desde 1948 que a Cutelaria Ernesto Pires & Filhos fabrica as famosas facas do Verdugal, uma empresa familiar que ao longo de anos se dedicou à produção de artesanal de facas, navalhas e foices, que agora vê o futuro de forma incerta. Manuel Pires conta que atualmente «o negócio está excelente» e diz mesmo que «nunca tive razão de queixa», nem mesmo durante os anos de pandemia. Olhando para a frente «não há familiares diretos com expectativas» de pegar no negócio». O filho mais velho realça que a cutelaria é «uma arte que requer certos requisitos de saberes», pelo que, «não é um sujeito qualquer que pega neste negócio». Por enquanto, conta Manuel Pires, «não aparece aqui ninguém a pedir trabalho e não temos ninguém próximo que possa vir para cá trabalhar».
Manuel Pires pensa alto sobre a mão de obra indicada para este tipo de trabalhos e desabafa que «infelizmente as escolas roubaram o futuro de muitas empresas. Os jovens estudam e já não se interessam por estes trabalhos, não só nesta arte». A cutelaria trata-se de um «trabalho manual em que as máquinas apenas ajudam».
O filho mais novo do criador da empresa, António Pires, considera «quase um crime» acabar com a empresa «de qualquer maneira». O cuteleleiro acredita que «o negócio tem pernas para andar, mas é preciso não as cortar», e também se diz «triste» quando imagina a fábrica fechada. A O INTERIOR, António Pires conta que «o futuro é incerto e de hoje para amanhã pode aparecer alguém interessado», mas certo é que, com a sua idade não se vê muitos mais anos a trabalhar na cutelaria. Por ele, gostaria que o filho pegasse no negócio e, com brilho nos olhos, atira que «gostaria muito que o meu rapaz um dia tomasse conta disto, apesar de, por agora, não estar muito interessado».
Helena Pires, sobrinha dos dois irmãos, seria uma esperança para Manuel e António Pires, mas também a própria considera o futuro duvidoso. Desabafa a O INTERIOR que tem «dois filhos, mas um está a terminar o doutoramento e outro a licenciatura». Mesmo assim, Helena Pires confessa que os dois jovens «têm vontade de dar continuação à fábrica, mas é muito incerto». Assim, e enquanto esperam que as novas gerações olhem para a cutelaria como uma arte com futuro, o porvir das facas do Verdugal é sombrio.

Sofia Pereira

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