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Vale do Côa em balanço

Resultados de nove anos de investigação são divulgados esta quinta-feira, enquanto responsáveis fazem o ponto da situação do PAVC e do museu

Vila Nova de Foz Côa comemora esta quinta-feira a classificação pela UNESCO da arte rupestre do Vale do Côa como Património da Humanidade com uma sessão de divulgação dos resultados de nove anos de investigação sobre a pré-história antiga naquele local. A efeméride será também aproveitada para fazer um ponto da situação do Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC) e do projecto do futuro Museu de Arte e Arqueologia. A iniciativa decorre ao final da tarde no Centro Cultural da cidade, onde intervirão António Martinho Baptista, director do Centro Nacional de Arte Rupestre, o arqueólogo do PAVC Thierry Aubry, Fernando Real, director do Instituto Português de Arqueologia, e Sotero Ribeiro, autarca local.

As gravuras rupestres do Vale do Côa foram classificadas como Património da Humanidade a 2 de Dezembro de 1998, na 22ª sessão do Comité do Património Mundial da UNESCO, em Quioto (Japão). O reconhecimento do seu valor pôs um ponto final definitivo à “guerra” que dividiu arqueólogos e defensores da construção de uma barragem no Côa e que mobilizou todo o país, valorizando também a opção do Governo, então liderado por António Guterres, de salvaguarda das gravuras e da criação do PAVC em 1996. Dois anos depois o Estado português assumiu o compromisso de desenvolver a conservação da arte rupestre e promover a construção de um museu, de modo a proporcionar a um público alargado a informação adequada, inseri-lo nos circuitos do turismo e promover o desenvolvimento económico e social da região. Mas, passados seis anos, são mais os recuos que os avanços na concretização destes objectivos numa região cuja esperança de desenvolvimento à sombra do Vale do Côa já esmoreceu. Em contrapartida, os trabalhos de investigação têm vindo a confirmar a inegável importância do património rupestres já descoberto, sendo que o Vale do Côa é actualmente considerado a maior reserva de arte paleolítica ao ar livre conhecida no mundo.

Um património que está disponível ao público em geral através do sistema de visitas organizadas pelo PAVC e que tem registado uma média de 20 mil visitantes por ano, um número ainda abaixo das expectativas. Outra esperança ainda por concretizar é a construção do célebre Museu do Côa, prometida desde 1996, mas cujo processo tem sofrido sucessivos atrasos. O Governo de Durão Barroso abandonou o projecto em cascata de Fernando Maia Pinto, primeiro director do PAVC, para o sítio da Canada do Inferno, onde deveria ter sido construída a barragem da EDP. Foi aberto um novo concurso de arquitectura para uma encosta sobranceira à confluência dos rios Douro e Côa, no Vale de José Esteves, na zona Norte do parque, que deverá acolher o projecto elaborado por dois jovens arquitectos do Porto, Tiago Pimentel (31 anos) e Camilo Rebelo (32 anos), que ainda aguarda pela abertura do concurso público para execução. Trata-se de um projecto mais pequeno, com custos mais reduzidos, mas maior centralidade em relação aos vários núcleos de gravuras. Com uma área coberta máxima de seis mil metros quadrados, este equipamento tem orçamentados 8,5 milhões de euros para o edifício e acessos, mais quatro milhões de euros para a museologia, verbas previstas no III Quadro Comunitário de Apoio. Falta agora lançar o concurso para a empreitada.

Parque arqueológico ainda por regulamentar

Outra contrariedade resulta do facto do PAVC, actualmente dirigido por Alexandra Silveira Lima, ainda não ser legalmente uma área protegida, o que impede qualquer regulamentação que interdite ou condicione o uso, ocupação e transformação do solo na área das gravuras. A figura do parque arqueológico está consagrada na lei desde Maio de 2002, mas só foi homologada pelo anterior ministro da Cultura a 21 de Junho deste ano, aguardando-se ainda pela publicação por parte do Ministério da Cultura, após conclusão da fase de inquérito público, de um decreto regulamentar que criará finalmente o parque arqueológico com todas as suas competências e atribuições. Contudo, esta fase só culminará com a elaboração de um plano de ordenamento. O prazo previsto para a sua execução, após a publicação do decreto regulamentar que cria o parque, é de dois anos. A designação de parque arqueológico pretende dar existência legal à zona de protecção do Vale do Côa através de um plano de ordenamento, um instrumento de gestão territorial considerado essencial pelos especialistas para a consolidação do PAVC, o único do país, que ganha assim uma moldura legal comparável à das áreas protegidas devido ao seu património natural. Esta novidade legislativa, datada de 11 de Maio de 2002, via decreto-lei 131/2002, foi a primeira a sair no âmbito da regulamentação da nova Lei de Bases do Património e identifica estas áreas especiais de salvaguarda do património. Entretanto, os responsáveis do PAVC e uma equipa da Universidade de Aveiro já concluíram o plano de ordenamento territorial do Côa. A legislação criada vai permitir clarificar as relações entre a administração local e o poder central, representado pelo IPA, através do PAVC, no que diz respeito à resolução, do ponto de vista jurídico, da questão da protecção da área de 20 mil hectares. É que os 16 núcleos de gravuras do paleolítico superior classificados como monumento nacional em 1997 e Património Mundial da Humanidade desde Dezembro de 1998 passam finalmente a ser consideradas Zonas Especiais de Protecção (ZEP), sendo atribuído ao parque poder decisório sobre toda e qualquer transformação a efectuar na sua área. Abrangido até aqui por medidas de salvaguarda pontuais e por uma série de documentos legais que foram sucessivamente suspensos devido à caducidade dos prazos que estipulavam, o parque do Côa pode, depois de cumpridas as fases descritas neste Decreto-Lei, passar a existir territorialmente, dispondo de mecanismos de conservação e gestão extensíveis aos seus 20 mil hectares.

Luis Martins

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