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Trapos medievais

Dizem os castos que não é saudável ter saudades de Oriana Fallaci. Talvez não seja. Mas o momento pede uma história. Em 1979, com o Irão a ferro e fogo, Fallaci voou para Teerão. A ideia era entrevistar Kohmeini. Fallaci, levada à presença do mestre, foi vestida de acordo com as regras nativas, uma exigência dos “aihatollas”. Mas, sendo ocidental e comportando-se como ocidental, a brava Oriana não aguentou o circo. Na presença do homem, retirou os “trapos medievais” (palavras dela) perante o sorriso espantado de Kohmeini e o terror dos seus assessores. Depois do “striptease”, a entrevista decorreu sem sobressaltos.

Não peço uma Oriana Fallaci. Mas pedia um certo decoro para não ofender os nativos. Não falo dos iranianos, porque ainda não estamos em Teerão. Falo dos nativos lusos, que viram uma jornalista da RTP a entrevistar de véu o embaixador iraniano em Lisboa. O caso, notado por Pacheco Pereira, não foi desmentido pela estação. E a embaixada do Irão jura que não fez qualquer exigência de vestuário. Sobra a hipótese, cómica e assustadora, da própria RTP ter código interno para que a sua gente se vista de acordo com o entrevistado: um véu para um iraniano, uma “burka” para um talibã, um osso no nariz para um pigmeu africanos. Ou, então, foi a própria jornalista – a estimável Márcia Rodrigues – a dar um toque de exotismo ao enquadramento.

Seja como for, este pequeno episódio não espanta apenas pelo seu absurdo despropósito. Espanta pelo princípio de subserviência que o contamina: uma subserviência que foi produzindo pela Europa os desastres de alienação conhecidos. Se o multiculturalismo irracional convida a uma cedência no vestuário, por que não ceder um pouco mais para ‘respeitar’ a sensibilidade do outro? Fatalmente, ‘respeitar’ a sensibilidade do outro implicaria, no limite, ceder nas liberdades fundamentais que definem uma democracia liberal. E, no caso da jornalista ser dada à libertinagem, permitir o seu apedrejamento em pleno Terreiro do Paço. Seria bom que a sra. Márcia Rodrigues se lembrasse do pormenor quando voltasse a enfiar uns trapos.

Humor e bom senso

Os ‘Simpsons’ chegam finalmente ao cinema e a discussão é costumeira: Matt Groening é de esquerda ou de direita? As claques avançam com os seus gritos de guerra. Não tenciono perturbar a contenda. Mas, com certo espírito científico, entro na sala disposto a resolver o problema filosófico da nossa era. Infelizmente, hora e meia de gargalhadas ininterruptas não permite conclusões satisfatórias. Sim, a família continua a ser o elemento central da pilhéria e o valor que sobrevive a todos os cataclismos. Sim, a vulgaridade da cultura pop continua a ser tratada com a irrisão do bom e velho elitismo. Mas terá a direita razões para sorrir? Duvidoso. Porque o filme é também uma denúncia da nossa predação ecológica e, já agora, da estupidez republicana, que Schwarzenegger, alçado a presidente, tão gloriosamente simboliza. Resta-nos a conclusão de que a ideologia dos ‘Simpsons’ se define por uma mistura de humor e bom senso, duas qualidades que normalmente pairam acima dos fanáticos.

Por: João Pereira Coutinho

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