Arquivo

Tábua de Marés

“Fay Grim” (2006)

Argumento e realização: Hal Hartley

Duração: 118 m

Apresentação: Cineclube da Guarda

Pequeno Auditório do TMG, 14 de Janeiro

Desde que assisti a “Uma Questão de Confiança” (1990), a segunda longa-metragem de Hartley, percebi que estava na presença de um dos realizadores mais interessantes do cinema independente americano. O filme em análise é basicamente uma comédia de acasos, no tom desconcertante a que o autor habituou o seu público. Desta vez alcança um pendor político, satirizando os filmes de espionagem. Neste sentido, observa uma regra de ouro do género, isto é, deve-se dar importância a tudo, porque tudo pode e deve ser decifrado. A obra constitui a continuação de uma comédia anterior, “As Confissões de Henry Fool” (1997), que consagrou o autor no panorama do cinema alternativo. Porém, inicia uma história independente que apenas faz alusão ao passado das personagens no anterior filme. Em Fay Grim, Hartley é também autor do argumento e da banda sonora – omnipresente ao longo do filme, de tal forma que parece ser mais um personagem. Em relação à linguagem, permanece como uma espécie de neo-godardiano, sobretudo nos diálogos. E utiliza, de forma quase exclusiva, as tomadas pelo chamado ângulo oblíquo, que dá uma maior amplitude à fotografia. Observem-se, por exemplo, as cenas de aeroporto e a da saída das personagens do Ministério do Interior, em Paris. Mas é também aqui que o estilo de Hartley se revela inconfundível: uma história entrelaçada com várias outras, personagens nervosas e que falam muito rapidamente, muita coisa a acontecer em simultâneo. Com a utilização de um humor muito inteligente e um constante tom irónico, o filme troça dos filmes de espionagem e conspiração internacional a que estamos habituados no cinema americano, num ritmo da realização estonteante. Peca pela sua duração (quase 2 horas), porque muito do que foi dito e feito podia ter sido tratado em menos tempo. A história é a de Fay Grim (Parker Posey), mãe solteira, de Queens, Nova York. Preocupada com a educação do filho, Ned Grim (Liam Aiken), de 14 anos, Fay acredita que o desaparecimento do pai, Henry Fool (Thomas Jay Ryan), após ter cometido um assassínio, pode influenciar o filho no sentido da marginalidade. No seu lugar quer ver o seu irmão, Simon Grim (James Urbanak), poeta prestigiado. Só que este encontra-se a cumprir pena, por haver auxiliado a fuga de Fool. Ned, por sua vez, acaba de ser expulso da escola, por ter mostrado aos colegas um brinquedo (do tipo caleidoscópio), com imagens pornográficas. Ao voltar a casa, Fay é interpelada por dois agentes da CIA, que a aguardavam. Um deles, Fulbright, diz que os cadernos manuscritos deixados por Fool, em poder do governo francês, continham segredos de Estado codificados, que lhe pedem para resgatar. Fay concorda, desde que a CIA liberte o seu irmão, para cuidar do filho. Ao ser solto, porém, Simon verifica que, por trás das figuras mostradas no brinquedo de Ned, havia uma inscrição, num idioma desconhecido. E começa aqui a saga, com encontros e enigmas apropriados ao género. À medida que a trama se desenrola, Fay avança em busca dos tais cadernos, mas compreende que jamais soubera nada sobre a vida que levava Henry Fool. Por sua vez o espectador percebe aos poucos que o perfil que se vai desenhando deste, pelos extraordinários comentários que se ouvem dele, cada vez mais o aproximam, em semelhança de atitude, de Robert Baert, ex-agente da CIA, protagonista de “Syriana”, de Stephen Gaghen, um dos melhores filmes políticos americanos mais recentes. Os actores são quase todos “reincidentes” de outras películas de Hartley. E apresentam, no conjunto, um trabalho primoroso de interpretação, com destaque, naturalmente, para Parker Posey.

António Carmo (http://www.antoniocarmo.com.pt)

Exposição de pintura

Galeria do Paço da Cultura da Guarda

de 13 de Janeiro a 28 de Fevereiro

António Carmo (n. 1949), é um nome consagrado no panorama artístico nacional. Não tanto pela inovação artística, mas por uma originalidade estética mantida ao longo de 40 anos de carreira. A propósito, foi recentemente editada uma retrospectiva da sua obra, sob a chancela da Caminho, que inclui grande parte dos seus quadros, com fotos e alguns textos. Nesta mostra são expostos cerca de 40 trabalhos seus, incluindo dois desenhos. Como informação complementar, existem quatro expositores com recortes de jornais e dois com exemplares de catálogos de exposições do autor. Percebe-se, à primeira vista que a sua pintura tem um pendor decorativo. E a homogeneidade das suas propostas, se por um lado acentua a singularidade do seu universo poético poética recorrente, onde abundam as citações e as referências, pode também indiciar uma espécie de “produção em série”. Por outro lado, conhecendo-se os desenhos a tinta-da-china com que iniciou a sua obra, não é difícil desvendar um propósito ilustrativo que o veio a acompanhar até aos trabalhos mais recentes. Todavia, se esse objectivo faz todo o sentido nos desenhos, já não faz assim tanto nas pinturas a óleo que constituem o grosso da sua obra. Percorrendo-se a exposição, ganha consistência a ideia de que, pese embora o equilíbrio cromático e a semi-transparência das texturas assegurarem o tom inefável pretendido, o artista acabou por se tornar um repetidor de processos. Para o efeito recorrendo a técnicas pictóricas que, tendo dado frutos a partir de certa altura, acabam por se tornar automatismos que o artista tem sabido gerir com sucesso. Das obras exibidas, gostaria de destacar, na pintura, o díptico “Leitura” e Movimento”, “Movimento”, o tríptico “Destinos do Fado” I, II e III, “Memória”, bem como os dois únicos desenhos expostos. Nota negativa para alguns títulos que, à força de querer ser poéticos, se tornaram rebuscados e ainda por algumas citações pictóricas um pouco descontextualizadas, como a inclusão de um cão “de Velásquez” num dos quadros.

Por: António Godinho Gil

Sobre o autor

Leave a Reply