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Um “chuto” na dependência

Comunidade Terapêutica “Casas de Santiago” é a única instituição do género na região e já “libertou” 500 adictos das mais variadas substâncias

Desta história ninguém sai intacto. A primeira terapia de grupo é um murro no estômago. Ao décimo dia na instituição, e após ter tentado abandonar o tratamento, José (nome fictício) parece um fantasma. No início da sessão recorda que, uma vez, atropelou um desconhecido por causa de uma discussão de trânsito. «No dia a seguir vi as notícias e soube que o homem tinha morrido», confessa. A partir daqui, as histórias sucedem-se em catadupa. São biografias difíceis de ouvir.

Na Comunidade Terapêutica “Casas de Santiago” – a única do género na região – nunca se sabe o que vai acontecer. «Esta manhã já houve uma expulsão e uma desistência», comenta Alexandra Tracana, a directora. A instituição, uma quinta não muito longe de Belmonte, existe desde 2005 e já acolheu 500 adictos. «Chegam fisicamente debilitados, sem grande rumo nem qualquer auto-estima», adianta Cristina Reis. É a psicóloga social e coordenadora terapêutica e defende que não há mudança sem disciplina férrea. Há regras, horários e expectativas a cumprir.

O dia começa cedo, pelas 7 da manhã, com um momento de meditação. Depois, até às cinco da tarde, o tempo é ocupado entre cigarros, terapias em grupo e individuais, actividades desportivas e “outdoor”, workshops e palestras informativas. Trata-se de um programa de cariz «cognitivo-comportamental» e que não deixa espaços mortos, descreve a responsável. Várias vezes por semana é distribuído um fundo de maneio. Gerido minuciosamente, dá para comprar tabaco, beber café e telefonar.

Em Belmonte, o tratamento é baseado no modelo Minnesota, em que a cura acontece em 12 passos. O primeiro, explica Alexandra Tracana, consiste em admitir «a impotência perante a substância ou comportamento de que se é dependente». Preconiza-se a abstinência total de qualquer substância alteradora – e não apenas da que o indivíduo considera problemática. O mais importante nem é o vício em si – pode ser o jogo, a droga, o álcool, entre outros –, mas a motivação que conduziu à dependência. «Trabalhamos os defeitos de carácter e apostamos nas qualidades de cada indivíduo», prossegue a directora. No fundo, o modelo terapêutico é uma filosofia de vida «na procura de ser uma pessoa melhor» e onde não há tratamentos de substituição. «Porque acreditamos que é possível ser-se completamente livre», justifica.

«Os adictos percebem-se na linguagem»

Apesar de se privilegiar esta terapia, nas Casas de Santiago vai-se de encontro a outras soluções. «Recorremos ao modelo Minnesota, mas trabalhamos caso a caso e, para isso, usamos outros modelos, técnicas e terapias, consoante cada pessoa», acrescenta. Esta filosofia torna a instituição um tanto ou quanto “sui generis” e resulta, em parte, da própria experiência de Alexandra Tracana, cujo percurso também passou pela dependência. Foi consumidora activa de cocaína, esteve institucionalizada e, por causa da droga, perdeu um irmão. A criação das Casas de Santiago surgiu em jeito de homenagem. «Achei que podia fazer disto uma causa comum entre mim e ele», confessa. A máxima de “cada caso é um caso” faz com que sejam precisos vários técnicos para garantir o sucesso do tratamento. «Um por cada doente» e oriundos das mais diversas áreas, «do psicólogo clínico ao assistente social, até aos professor de ginástica», refere. De resto, dos 14 que trabalham na Comunidade, alguns já passaram por problemas de adição. «Os adictos podem ajudar outros adictos porque nos percebemos na linguagem, porque isto é uma doença de sentimentos e emoções», descreve a responsável.

Tratamento custa 2.200 euros por mês

A instituição tem a lotação esgotada desde Setembro, altura em que o Estado passou a comparticipar oito das 25 vagas existentes. O tratamento custa 2.200 euros mensais ou, com a ajuda estatal, 180. E só parece demasiado para quem não conhece o mundo da toxicodependência. «Um adicto médio chega a gastar três mil euros por mês em droga», refere a directora. Cerca de 20 por cento dos utentes que passam pelas Casas de Santiago são mulheres. «Porque suportam melhor a dor, preferem viver o sofrimento a experimentar mudanças e têm mais facilidade em arranjar dinheiro», acredita Alexandra Tracana. A maioria dos adictos que passou pela comunidade de Belmonte tem entre 30 e 39 anos. Os do jogo têm aumentado bastante ultimamente, «porque, finalmente, se começa a considerar esse vício como uma doença» e já são 10 por cento. Já os chamados “codependentes” – mães, cônjuges e namorados que se anulam e passam a viver em função de adictos, embora não consumam – são 15 por cento.

O uso de heroína continua a ser o principal motivo de ingresso, em 40 por cento dos casos.

Quanto à taxa de abandono da instituição, sublinha a directora, é «baixa», ronda os sete por cento. E, no que toca aos resultados, se o sucesso significar abstinência, os números situam-se nos 70 cento. «Mas a recuperação não é só abstinência, porque a adição é um processo bio-psico-social», adverte. É preciso reinserir na sociedade, começar de novo. «Se tivermos isso em conta, a taxa de sucesso é de 46 por cento», quantifica. Alexandra Tracana defende que falar de adição é falar de todos nós. «Somos adictos em potência, usamos medicamentos como companheiros de solidão. Já não se brinca às escondidas, joga-se computador. A própria revolução sexual usa, muitas vezes, as drogas como companheiras; todos temos consumos excessivos de Internet», exemplifica. E isto, garante, «é a nova revolução».

Rosa Ramos

Comentários dos nossos leitores
jose Freitas jose.freitas43@hotmail.com
Comentário:
Estas instituíções deveriam ser apoiadas pelo Estado.
 
isabel isabelmrn41@gmail.com
Comentário:
Excelente!!!
 

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