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Obituário

Os últimos meses não foram fáceis. Houve demasiadas notícias para os que desejam um mundo mais tranquilo. Aconteceram coisas quase todos os dias, daquelas que fazem as primeiras páginas dos jornais, e aconteceram coisas muito importantes. Aconteceram coisas que podem mudar a vida de todas as pessoas do mundo e outras que podem marcar toda uma geração. Lá fora, por exemplo, acaba de ser feito um importantíssimo acordo na Cimeira do Clima. A China acedeu a muitas exigências e parece disposta a meter um travão na corrida para a catástrofe global em que seguia já, destacada, na frente. Paradoxalmente, os preços do petróleo começaram a cair a um ponto que nos faz recuar, no preço, vários anos. Os ambientalistas lamentam-se, mas Passos Coelho não: há cinco mil milhões de euros suplementares a poder entrar nos cofres do estado na forma de impostos, desta vez sem esforço suplementar (aparente) do contribuinte.

A União Europeia prepara-se para patrocinar a injeção de centenas de milhares de milhões de euros na economia europeia e, se é verdade que conta com o efeito multiplicador do seu próprio investimento em termos essencialmente otimistas, é verdade também que esse otimismo, como o efeito multiplicador de que falam os economistas, é geralmente aceite como contagiante.

Em Portugal faliu um banco, o maior banco privado, sem ter realmente falido. O contribuinte vai ser outra vez chamado a pagar pelo menos parte dos danos. A “troika” tinha ido embora pouco tempo antes e os custos desta falência não tinham entrado nas suas contas. As promessas do governo, feitas há quatro anos com o objetivo de ganhar eleições, ficaram todas por cumprir, assim como ficarão por cumprir, para além dos acordos com a própria “troika”, as promessas de recuperação da normalidade feitas em junho pelo governo. É verdade que nas próximas eleições se não vai falar disso, que há para discutir a detenção de José Sócrates e os vários outros escândalos desta e de outras legislaturas. Isto é, já agora, um evidente sintoma do apodrecimento do nosso sistema partidário, mais vulnerável que nunca a todos os populismos e mais recetivo que nunca a novos partidos e a novas caras.

Perante tudo isto, seria interessante termos um presidente da República. Alguém que enfrentasse as adversidades e mostrasse ter alguma coisa a dizer por nós todos, que batesse com a mão na mesa, que fosse atento e presente. Alguém que se não chamasse Cavaco Silva e que mostrasse mais talento do que o estritamente necessário para se fingir de morto.

Por: António Ferreira

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