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«O volume de edição em Portugal é muito grande e muito paradoxal»

Cara a Cara – Entrevista

P – Tendo em conta a noção de feira, parece-lhe que as feiras do livro inferiorizam o livro ou valorizam-no enquanto objecto cultural?

R – Acho interessante. O facto destes eventos se chamarem “Feira do Livro”, tal como se fala de um mercado de roupa ou de comida, até dá uma noção simpática do livro como um bem de primeira necessidade. É uma expressão que não diminui nada o livro. Até lhe empresta uma característica nobre, que é a sua utilidade.

P – A diversidade daquilo que se publica – até em termos de quantidade – é uma vantagem ou pode comprometer o valor do livro?

R – O volume de edição em Portugal é muito grande e muito paradoxal, tendo em conta os números da leitura. Pode haver o perigo dos livros com algum interesse ficarem afogados num mar de publicação. Nalgumas livrarias – mesmo as de qualidade – temos determinado tipo de literatura que acho genericamente pouco interessante a tirar espaço a outros livros. Pode haver, por isso, o perigo de não se ter um critério, ou que esse critério seja meramente comercial, ou de poder comercial das editoras.

P – A Rede Nacional de Teatros Municipais, no papel há anos, vai fazer de Portugal um país culturalmente mais rico?

R – Pela minha experiência, acho que tem possibilitado a tal descentralização cultural. Em termos de público e de espaços é um bocadinho difícil dizer qual é a galinha e qual é o ovo. Tem havido uma rede interessante de salas polivalentes que permitem fazer uma série de actividades fora dos círculos de Lisboa e Porto. Sou um bocadinho mais céptico quanto à existência de públicos, até porque não nascem só por haver oferta. Há casos em que instituições como Serralves, no Porto, ou a Culturgest, em Lisboa, criaram o seu público e têm as suas actividades frequentemente lotadas. Se isso a nível regional ou municipal se pode fazer ou não…

P – Qual é o papel das autarquias na promoção e divulgação cultural?

R – As autarquias podem ter um papel importante se perceberem desde logo que a produção e a fruição cultural não são um aspecto secundário, mas que fazem parte da própria identidade de uma comunidade. Por outro lado, a criação de públicos só pode ser feita a nível local. Parece-me impraticável que se decida ao nível central o panorama cultural de Guimarães, que teatro vai ver, que música vai ouvir. As autarquias são quem conhece melhor o terreno, têm de responder ao que existe e criar outras coisas.

P – A licenciatura em Cinema da Universidade da Beira Interior, que foi pioneira no ensino superior público, já é reconhecida em meios como o de Lisboa?

R – Não conheço bem os meios do ensino, mas o grande problema é saber se existe ou não a possibilidade de um cinema português viável, constante, desejado e visto pelas pessoas. Essa questão não está resolvida. Temos uma produção pequena – mas de acordo com a nossa dimensão –, resultados de bilheteira bastante incipientes e uma percepção pública hostil daquilo que é o cinema português. Ser treinado para ser profissional de uma indústria que não existe ou que depois fraqueja é uma questão problemática do ponto de vista da própria “indústria” do cinema.

P – O que lhe pareceu a Festa do Livro, tendo em conta que é organizada por um jornal local e não por uma autarquia, como em Lisboa ou no Porto?

R – Quando as feiras são minimamente dinâmicas e a elas estão associados encontros com escritores e pessoas ligadas à edição, é muito possível que este tipo de organizações faça as pessoas chegar aos livros através dos autores. Que seja um jornal a organizar, parece-me interessante, pois a imprensa regional actual não é um grande motivo de orgulho da imprensa portuguesa, com poucas excepções. Mas por outro lado, não querendo comentar aquilo que não conheço, põe-se a questão de saber “onde é que está a Câmara?”

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