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Nostalgia do Chicote

Quebra-Cabeças

Os tempos que correm não têm nada, aparentemente, de que os portugueses se possam orgulhar em especial. As notícias que nos entram todos os dias dentro de casa têm até sido particularmente humilhantes. Acredito que muitos eleitores de Gondomar, de Felgueiras, da Guarda, da Amadora, entre muitos outros casos, tenham ultimamente metido as mãos na consciência e se estejam agora a arrepender da sua credulidade.

Corre por aí a ideia de que ninguém manda verdadeiramente “nisto”. O Presidente da República não manda nada, o Primeiro-ministro não cumpre promessas, os autarcas, os dirigentes desportivos e em geral tudo o que é figura pública anda por aí a asnear. É verdade que há os tribunais mas estes também não estão livres de críticas – e as suas decisões demoram eternidades.

Há um fundo de verdade nisto tudo, mas não tanta que justifique, como por aí se diz, que precisamos de outro Salazar. Quando dizem que no tempo da “outra senhora” não havia os escândalos que há agora, que havia respeito, que o ouro do banco de Portugal não sei quê e que a inflação e o desemprego não sei quantos, ou que a quarta classe de antigamente é que era, parece-me que se estão a dar por adquiridos alguns postulados mais que discutíveis.

Corrupção sempre houve e a ausência de uma imprensa livre e credível até a facilita, como se vê por esse mundo fora. É claro que antes de Abril de 74 não se ouviam notícias sobre corruptos desmascarados, mas isso era porque havia a censura prévia, porque a opinião pública era inexistente, porque o encobrimento era pouco menos que lei. No entanto, ou graças a isso, as fortunas duvidosas multiplicavam-se, a cunha era já norma, as prendas pouco inocentes a funcionários públicos eram a regra, os fiscais engordavam.

Afinal, se pensarmos bem, talvez tenhamos que encarar os tempos de hoje com outros olhos. Pela primeira vez em séculos de história está a ser aplicado o princípio de que todos são iguais perante a lei, pela primeira vez acredita-se que ninguém está livre de pagar pelos seus crimes. Escreve-se nos jornais sem medo e afirma-se, cada vez mais pujante, mais exigente, uma verdadeira e actuante opinião pública. Talvez só agora se esteja a completar verdadeiramente a revolução.

Por: António Ferreira

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