Aqueles entes, aparentemente tão sólidos e com tanta personalidade, afinal não passam de armações.
O que parece uma eminência ao nível do inacessível é – dado o avantajado da aparência – risível.
Não o risível sonoro, a estrepitosa gargalhada, mas um risível ainda mais doloroso, porque só pode ser vivido no mais fundo de nós mesmos.
É como se a exposição – com incoercível força – estivesse a dizer-nos que cada um é uma máscara e só pode viver como uma máscara, ou seja, que, no fundo, não passámos de um plágio de nós próprios.
Ao dizê-lo com tanta força, a autora concita-nos a uma irrecusável autenticidade, por um lado. Por outro, ultrapassa toda a ingenuidade, visto que , clara, eloquentemente, alto e bom som, avisa-nos que entre o plágio de nós próprios e a nossa própria autenticidade ninguém espere resultados sem esforço, um esforço de uma atenção extrema e estreme , de vigor total e remetido para o mais fundo de nós, um esforço que seja, afinal, a nossa intrínseca identidade.
É como se, ressalvadas todas as distâncias, ainda estivéssemos na Grécia Antiga, onde o agonismo, mais que um mero dado nacional, foi, muito verosimilmente, o mais fundo e poderoso elemento constituinte, identitário, da cultura helénica.
Na Grécia Antiga por um lado. Por outro, porém, no momento mais avançado do hic et nunc, do aqui e agora. Melhor: de todo o futuro do Futuro.
Com efeito, todos aqueles entes são tão estranhos como o nosso tempo. Estranhos para quem, evidentemente, tem informação, formação e preocupação (não neurótica).
Em tais entes não há qualquer ortogonalidade, acolhimento. Nem sequer se apresentam com convicção (repare-se que as cores apresentadas são, ou ténues, ou descontínuas, ou em tons que estão nos antípodas da afirmação). Existem sem se imporem; ou impõem-se sem existirem, digamos.
É como se nos dissessem algo de tão simultaneamente belo e terrível (ou terrível e belo)como isto: existo porque sou anónimo, melhor, existo porque sou asceta; sou asceta porque existo.
Os maiores da História não nos disseram outra coisa e, portanto, ao ter o aval dos maiores de todos os tempos, a exposição é um vero acontecimento. Doutro modo: um vero acontecimento que pode disponibilizar-se no mais refinado, cosmopolita museu do Mundo. Tê-la na Guarda é, assim, um acontecimento a fortiori.
A ciência corrobora em absoluto, digamos, o discurso e o registo de Maria Oliveira. Mas a sua realização, concreção, repete-se, é Arte (com A maiúsculo, reitera-se). Ela dá-nos mais que consabidas e consagradas certezas – eleva-nos.
Portanto, Maria Oliveira eleva-nos e, em tal elevação, mostra-nos que o Homem é mistério e espiritualidade, ou, se quisermos, religião. Não a (uma) religião confessional, mas a etimológica, a do atar, ligar, unir, fazer-nos sentir partícipes, incoercivelmente empenhados.
Incoercivelmente, a vida humana é um profundo mistério; e que o denominado Esoterismo – que mais não é que a crescentemente límpida verdade – ganhe cada vez mais adeptos – e ao nível das mais cultas franjas da sociedade – isso mostra a oportunidade, a hodiernidade do trabalho de artista.
Visto que a luta contra o plágio é a incessante busca de si, ou, de outra maneira, o incessante querer mais, mais, mais, mais sem fim, assim se justifica também a espiritualidade.
O mais humilde iniciado em História da Arte sente profundamente que esta nunca deixou de ser uma emanação religiosa – nem mesmo quando iconoclastas radicais como, v.g., os “decadentistas vienenses” do séc. XIX (Klimt e Schiele), os dádá ou surrealistas, com mais ou menos farronca ou picaresco, emergiram.
É outro mérito a aduzir: a genuinidade da exposição mostra como a autora é, também ela, uma eloquente manifestação divina.
A Guarda, que produziu um escultor da altura de Brancusi (a partir do conhecimento que deste tenho, bem entendido), o malogrado Jerónimo Brigas, claro, tem em Maria Oliveira outra estrela mundial.
Que honra para nós, egitanienses!!
Guarda 25-IV-05
Por: J.A. Alves Ambrósio