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Da oportunidade

Entrementes

É vulgar, na linguagem mais comum, afirmar-se que a água não passa duas vezes por debaixo da mesma ponte.

Não sei, e o não saber é, para mim, motivo de preocupação, se esta foi a ideia base para que fosse divulgado, nestes últimos dias, um estudo segundo o qual os professores portugueses ganham muito acima dos restantes técnicos superiores da função pública. Para engrandecer a verosimilhança da coisa até se mete um estudo da OCDE na contenda.

Voltando ao início, se a água não passou e repassou pela mesma ponte será porque alguém com poderes para isso construiu a oportunidade para tal?…

Vamos a factos:

1. O final do ano letivo passado ficou marcado pelos protestos da classe docente perante situações que considerou atentatórias da sua dignidade profissional e da sua condição de cidadãos;

2. Degrau a degrau, semana a semana, o clima manteve-se, quente como a estação estival até finais de julho;

3. Entra agosto e a “silly season” amainou tempestades;

4. Regressa setembro, mais um ano letivo bate à porta e eis senão quando…

Surge o estudo, este estudo. Mais uma vez os docentes são atirados para os cornos (assim mesmo) do boi. E o estudo surge, certamente pura coincidência, nos dias que antecedem o regresso às aulas. E surge lançando números que aos olhos do vulgar cidadão poderão passar a imagem de que os professores levam vida de autênticos nababos ganhando mundos e fundos enquanto os outros vivem à míngua.

Tudo isto sob o manto (diáfano?…) de uma instituição internacional como a OCDE. Mas a credibilidade do estudo deixa muito a desejar, como a desejar deixa o tratamento jornalístico dado ao caso. Vejamos: os dados dos salários dos docentes são públicos de modo que qualquer um os poderá consultar e verificar da sua justeza, ou não. Por outro lado, é bom que se reflita sobre a carreira docente que leva a que muitos professores ingressem na carreira depois de dezenas (não, não é gralha) de anos após terem começado a lecionar. Do mesmo modo é bom que se torne público que muitos docentes continuam a palmilhar os quatro cantos deste jardim à beira mar plantado ano após ano, deixando a família para arranjar um contrato a centenas de quilómetros da sua residência com a instabilidade que a situação acarreta. Isto sem saber se no ano seguinte terão colocação…

Que raio, serão os professores o cancro da sociedade?… Serão eles os culpados de tudo o que de mau acontece?… Que razão, por mais esconsa, levará ao silêncio sobre as reformas milionárias de políticos e banqueiros?…

Pensou-se que as classes sociais tinham deixado de existir, mas o que é verdade é que continuamos e viver num mundo em que uns são filhos da mãe e os outros são filhos da …

Uma coisa é certa: o timing do estudo foi oportuno. Ou não?…

Por: Norberto Gonçalves

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