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Diário Interior

29 de Janeiro

As sondagens mostram que Cavaco Silva ganha as eleições presidenciais a qualquer adversário directo. Acredito que o senhor não tenha grande vontade nem vocação. O nosso problema é o conhecido desejo da senhora dona Maria de viver num palácio, para mais cor de rosa e com guardas à porta. E as mulheres só muito raramente não conseguem aquilo que pretendem.

30 de Janeiro

Vasco Pulido Valente regressa às páginas do Diário de Notícias e explica as razões que manterão W. Bush na Casa Branca. Talvez tenha sido esta leitura matinal que deixou Francisco Louçã na pilha de nervos com que apareceu na Assembleia da República.

31 de Janeiro

Sporting – FC Porto. No fim do jogo, a excitação de Mourinho mostrou simplesmente que a sua declaração solene de segunda-feira acerca da morte de Féher – “o futebol é só um jogo, há coisas muito mais importantes”, palavras que eu elogiara – se tratou apenas de uma aparição de circunstância numa hora em que ficaria mal não o fazer.

1 de Fevereiro

Sai com o Público mais um livro da colecção Taschen. Desta vez Cézanne, de quem se diz ser um dos precursores da arte moderna do século XX. A sua obra passou pelas várias correntes do século XIX até chegar ao que hoje se considera os antecedentes do Cubismo. É na sua concepção da arte como satisfação do artista onde vejo os pilares da modernidade. Cézanne antecipou revoluções artísticas sem viver as convulsões sociais que influenciariam Picasso, Dali ou Schiele. Pouco apreciado pelo público de então e de hoje, Paul Cézanne é um dos nomes mais importantes para se perceber o significado – que dura ainda até hoje – da arte no século XX.

2 de Fevereiro

Vejo Lost in Translation de Sofia Coppola com Scarlett Johansson e Bill Murray. Gosto de estórias de amores desencontrados – no tempo, no espaço ou nas pessoas. É também por isso (e pela magnífica direcção de Scorcese) que continua a pensar no Idade da Inocência como um dos filmes da minha vida. É por isso (e pelo traço do seu lápis) que tenho Tangências de Miguelanxo Prado como um dos mais bonitos álbuns de banda desenhada que já li. É muito por isso (e pela guitarra de Johnny Marr) que as canções pop dos Smiths continuam a soar na minha sala noite após noite. Mais que o ardor da paixão admiro a resignação às circunstâncias.

Neste filme não se vê uma imagem a mais do que as necessárias à narrativa, sem que se perca alguma vez o sentido dos acontecimentos ou das personagens. Paul Thomas Anderson e Sofia Coppola fizeram dos filmes românticos um género maior. Hollywood assim os conserve.

Uma nota para o título português do filme, “O Amor É Um Lugar Estranho”. Houve alguém que se perdeu claramente na tradução do título original.

3 de Fevereiro

Continuo a leitura da magistral obra de Jacques Barzun, Da Alvorada à Decadência – De 1500 à Actualidade – 500 Anos de Vida Cultural do Ocidente (editado pela Gradiva). Em 800 páginas, Barzun descreve de forma magistral os últimos cinco séculos de produção intelectual do ocidente. Da política à arte, da literatura à filosofia, o ensaísta americano deixa escapar pouca coisa. Como o título indica – a decadência é este tempo que vivemos – trata-se de obra reaccionária. O livro é dedicado “aos interessados”. Para bom entendedor.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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