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De Olhos nos Olhos

Tivemos anos e anos de glorificação da “humildade”, cedendo sistematicamente o favoritismo aos outros, aceitando como natural e desejável um humilhante estatuto de inferioridade. É verdade que esse discurso tornou mais agradáveis algumas vitórias, como por exemplo aquela sobre a Alemanha, do golão do Carlos Manuel, que nos levou ao México em 1986, ou a vitória sobre a Inglaterra, a abrir nesse ano o nosso campeonato do Mundo. Era o triunfo, inesperado mas glorioso do underdog, do patinho feio, da Cinderela. Mas tornou mais dolorosas e mais humilhantes as derrotas, e foram tantas…

Não sei o que dirá Scolari agora aos seus jogadores, para estabelecer o estado de espírito ideal antes de cada jogo, mas eu diria que não devem temer ninguém e não devem ser humildes. A não ser que humildade signifique tratar em campo da mesma maneira, com o mesmo respeito, o campeão e a pior equipa do mundo. (Dizia-se antigamente que perfeito cavalheiro era aquele que tratava uma duquesa como trataria uma puta – e vice-versa. E subscrevo.)

Irritam-me por isso os tiques de outrora que a selecção mantém. Os tiques do coitadinho, pobrezinho e humilde, mas valente e com uma enorme capacidade de sofrimento. Aquela mania de se atirarem ao chão por tudo e por nada. De reclamarem do árbitro, tenham ou não razão, de pedincharem faltas, cartões, cantos, penaltis. O perfeito cavalheiro, no que aqui toca, recebe com dignidade as ofensas, não se queixa, não fica a pensar no assunto. Esqueceu já, passados uns momentos, se foi ofendido por uma puta ou por uma duquesa. E não finge, por isso, as ofensas a que em primeiro lugar nem daria verdadeira importância.

Os nossos jogadores, há que o recordar, não são pobrezinhos. Nem têm razões nenhumas para ser humildes. Valem muitas vezes o seu peso em ouro e jogam nas melhores equipas do Mundo. Conhecem de perto, e de ginjeira, os seus mais famosos adversários. Os jogadores portugueses têm sido sucessivamente testados, e nos mais exigentes palcos. Valem pelo menos tanto como os outros e estão nas meias-finais do Campeonato do Mundo. A diferença apenas pode ser feita pela vontade de ganhar, pela energia e classe evidenciada em palco e pela autoridade perante o adversário, nunca com base em pequenos e mesquinhos truques. Por mim, e perdoem-me a franqueza, prefiro uma derrota honrosa a uma vitória com batota ou com truques baixos.

Sugestões:

Apenas uma: férias. Contem comigo de volta em Setembro.

Por: António Ferreira

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