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De colchões e valas

Mais um despertar. Mais uma noite mal dormida. Dores de pescoço e costas. Já estou farto deste colchão. Acho que o pai natal vai ter que me oferecer um. Se o calçado dura um par de anos porque é que um colchão tem que durar décadas? Se passamos, em média, um terço da nossa vida a repousar, porque não fazê-lo em modo conforto? Sabe-se os danos que calçado desconfortável podem causar aos pés e à coluna, por isso tratamos de não poupar na qualidade do mesmo, no entanto, no que ao sono diz respeito, descuramos o adereço principal. O sono é fundamental para a regeneração da nossa mente, permite a recuperação que nos permitirá enfrentar um novo dia. Se este não fosse fundamental, não assistiríamos a estados “zombie”, irritáveis ou mal-humorados em indivíduos que dormem mal. Sabe-se também que noites mal dormidas são responsáveis por acidentes no trabalho ou a caminho dele. Transtornos do sono crónicos são ainda responsáveis, entre outras coisas, por estados de ansiedade e stress, depressão e envelhecimento precoce. Quantos destes casos poderão ser imputados a colchões velhos e/ou desconfortáveis? À medida que o tempo passa surgem as noites mal dormidas e o cansaço acumula-se, resultando daí uma sensação matinal de se ter andado à pancada durante a noite ou a fazer todo o terreno pelos buracos da nossa cidade.

Por falar em buracos que tiram o sono. Por que razão vemos nascer valas em pavimentos betuminosos acabados de deitar nas nossas ruas e estradas? Não irá tardar para que pisos de ruas recentemente intervencionadas na nossa cidade, se vejam mutilados por uma ou mais destas descontinuidades, as quais, como cicatrizes, depois de (mal) repavimentadas, nunca mais desaparecem e contribuem para a degradação dos nossos veículos e coluna. Sabemos que entre a elaboração do projeto de uma obra e a respetiva execução podem mediar anos. Parece-me, no entanto, que estamos num país de feudos. A EDP, a PT, os Serviços Municipalizados, a Águas de Zêzere e Côa, a Gás de Portugal, as empresas de televisão por cabo, o IGESPAR, entre outras entidades, comportam-se, muitas vezes, como membros de claques rivais. Diretores sentados a secretárias na capital, comandam as suas “quintas” à distância, sem terem experiência nem conhecimento do terreno. No entanto fazem depender da sua chancela empreitadas muito simples que podiam ser incluídas noutras já a decorrer, mas que, devido a prazos ou teimosias, acabam por ter que ser realizadas posteriormente. É nesta linha de atuação que a infraestruturação para passagem de água, luz, televisão, telefone, entre outros serviços, sob uma simples via de comunicação pode nunca estar concluída. Tanta normalização, tanta legislação, tantos diretores, tantos chefes, mas a asneira continua. Agora vem aí a fibra, abre a vala; agora é a mudança de um posto de transformação, mais uma vala; a conduta rebentou porque foi enterrada à pressa com uma amálgama de pedras e terra em vez de areia, outra vala; necessitamos de uma passadeira parte-molas, saia uma trincheira; plantou-se uma ilha para peões fora do eixo e está a provocar acidentes, refaça-se a estrutura e escave-se a via; apeteceu-me escavacar o piso porque sim, abro uma vala e escavaco o pouco que ainda sobra. E é assim, um pouco por toda a cidade, um pouco por todo o país.

Entretanto algures na Estrela profunda gastaram-se milhões, dos euros europeus, para pavimentar caminhos abertos pelo exército, no início dos anos oitenta. Um deles liga Folgosinho a Manteigas. É uma obra que chegou, à semelhança da eletricidade, tarde demais, pelo que constitui um atentado à ruralidade e ecologia daquela zona da serra.

Nota: É a primeira vez que um colaborador deste jornal tenta fazer a quadratura do círculo, fundindo num artigo colchões e infraestruturas rodoviárias. Pensar nisto tira-lhe o sono. Espera, no entanto, que o novo colchão o ajude a obviar este problema.

Por: José Carlos Lopes

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