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Carta aberta ao Presidente da Câmara do Sabugal

Porque me parece ter ficado com dúvidas relativamente aos verdadeiros motivos da minha renúncia, em 24 de Setembro último, ao mandato da Assembleia Municipal do Sabugal para que fui eleito na lista da coligação PSD/PP, tem esta como objectivo dissipar essas dúvidas e ao mesmo tempo esclarecer todas as pessoas que me questionaram sobre o assunto e a quem este possa interessar.

Como referi em várias ocasiões, não estava na Assembleia Municipal para ajudar a conseguir objectivos pessoais, partidários ou de grupos, quaisquer que eles fossem, mas, tendo em consideração a minha experiência autárquica de muitos anos, tão só para, com o meu modesto mas sério contributo poder ser útil ao processo de desenvolvimento do meu concelho e assim, de alguma forma, ajudar os que não têm voz e os que mais precisam. Como sabe, várias vezes manifestei a minha discordância e votei contra propostas da Câmara Municipal porque em consciência entendi não serem as mais adequadas ao modelo de desenvolvimento que defendo para o concelho. Por isso me opus à aprovação das Grandes Opções do Plano para o quadriénio 2003-2006 e questionei a priorização de alguns investimentos. O facto de ter votado vencido em algumas das decisões mais importantes da Assembleia Municipal não me inibiu de aceitar democraticamente essas decisões e de colaborar activamente na única Comissão da Assembleia que até este momento fez algum trabalho, como foi a Comissão de acompanhamento do Plano de Ordenamento da Albufeira do Sabugal.

De facto, sempre entendi o desempenho de funções políticas como um serviço que é prestado aos outros e à comunidade em geral. O exercício do poder em democracia exige o cumprimento de valores e princípios inalienáveis como a independência, o rigor, a imparcialidade, a justiça, a transparência e a igualdade, valores e princípios legal e constitucionalmente reconhecidos.

Não entende o mesmo o senhor Presidente que, depois de ter criado no quadro de pessoal da Câmara mais um lugar (na opinião de muitos desnecessário) de veterinário municipal, possibilita que um filho seu ocupe esse lugar. Não satisfeito com a façanha, eis senão quando surge a sua filha a ocupar mais um lugar de técnico superior de sociologia na Câmara do Sabugal, também na sequência de concurso público aberto para o efeito… A isto, senhor Presidente, chama-se nepotismo e nepotismo elevado à sua essência mais pura. Não me admira que não saiba o que isto significa. Consulte um bom dicionário de língua portuguesa e verá que a sua acção não é tão ingénua e inocente como tentou fazer crer na reunião da Assembleia Municipal de 24 de Setembro. Penso até que uma análise rigorosa a todos os contornos da sua participação nos processos de concurso e selecção em causa poderia conduzir a uma acusação pela prática do crime de abuso de poder previsto e punido pelo Código Penal Português.

E que pensarão disto os jovens que nasceram e cresceram no concelho e aqui queriam continuar a trabalhar, mas não têm um pai com poder para lhes oferecer um emprego? Que pensarão disto os que sempre trabalharam no duro para ganharem um ordenado de miséria? Que pensarão disto todos os que já concorreram (muitos, inúmeras vezes) a um lugar na Câmara Municipal e não o conseguiram? Que pensarão os idosos, e são muitos, que têm muita dificuldade em pagar a luz, a água e a taxa de saneamento com o valor da pensão de reforma que recebem ao fim do mês? Face a esta situação e aos princípios e valores que defendo, não podia pactuar com ela, ficando calado, nem continuar num grupo da Assembleia Municipal que apoia e sustenta politicamente o Presidente da Câmara e a maioria que governa o concelho.

De facto, a renúncia ao mandato foi a forma mais digna e elevada que encontrei de manifestar a minha discordância por tais processos e, além do mais, sentir-me-ia no mínimo constrangido e incomodado continuando a fazer parte daquele grupo. No momento da minha renúncia, na reunião de 24 de Setembro, achou o senhor Presidente que a minha atitude era uma atitude de fraco. Respondi-lhe que antes pelo contrário, sempre na minha vida tinha assumido toda a responsabilidade pelos meus actos. Digo-lhe agora que se alguém foi fraco neste processo foi em primeiro lugar o Presidente da Câmara, que optou pelo caminho mais fácil para empregar os filhos, foram fracos em segundo lugar aqueles que estão a seu lado no Executivo e pactuaram com toda a sua actuação e, por último, foi fraca a oposição que assistiu a todo este processo sem ter esboçado qualquer crítica ou discordância quer no Executivo quer na Assembleia Municipal. E o senhor que tinha tantas formas de ajudar os seus filhos acabou por lançar sobre eles um estigma e um anátema de que nunca se livrarão, pois jamais conseguirão afastar a cortina de suspeição que paira sobre os seus processos de entrada no quadro de pessoal da Câmara Municipal.

E isto, senhor Presidente, ao contrário do que o senhor pensa e referiu na Assembleia Municipal, não tem nada a ver com algum sentimento de animosidade para com os seus filhos ou as suas competências, porque não os conheço, nem têm culpa da imprudência e falta de bom senso do pai. Por muito menos do que isto, há cerca de um ano demitiram-se dois ministros (Ensino Superior e Negócios Estrangeiros) do Governo liderado por Durão Barroso. Porque o senhor não tem vergonha e está convencido de que o que faz está tudo bem e nem é possível fazer melhor e, porque não está no seu horizonte demitir-se, deveria uma vez mostrar a sua coragem e justificar-se perante os eleitores do concelho, concedendo-lhes a oportunidade de manifestarem nas urnas a sua concordância ou não pelas acções e omissões que teve durante este mandato autárquico. É que quem vier a seguir vai ter muitas dificuldades em fazê-lo.

Joaquim Portas, ex-deputado municipal eleito pelo PSD, Sabugal

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