Luís Marques Mendes podia ter começado bem melhor a sua campanha para as “directas”. Chão da Lagoa nunca foi um lugar recomendável para um presidente do PSD (por algum motivo Cavaco nunca lá pôs os pés em dez anos de liderança) e daí a surpresa de ver alguém tão experiente, habitualmente tão cuidadoso e campeão do bom senso, cair numa armadilha fatal.
Um líder que durante dois anos se aplicou numa campanha de moralização de procedimentos em nome de uma política de bons princípios e de boas regras – ele próprio disse sempre que, com Isaltino Morais e Valentim Loureiro, a questão não era do foro da Justiça, mas sim da política –, cede, afinal, à tentação de sacrificar essa coerência perante Alberto João Jardim. E logo numa altura em que ele mais desabridamente afronta os órgãos de soberania, ao recusar-se a aplicar uma lei da República. Logo na semana em que o país ficou a saber pelo Expresso que estão na Madeira quase um terço dos votantes das “directas” a que Marques Mendes vai concorrer em Setembro.
Por mais que a possa negar, a relação entre Chão da Lagoa e os votos para as “directas” aparece como inevitável. Até porque o líder-candidato só tinha boas razões para não ir a este ritual jardinista. Toda a gente se lembra de que ainda há dois anos a sua presença eventual foi considerada “inconveniente” pelo PSD/Madeira e de que, no ano passado, passou à classificação de “indiferente”. Só depois de ter apoiado Jardim no confronto com o Governo de Lisboa, a propósito da retenção de verbas orçamentais, é que caiu nas boas graças. Mesmo assim e pelo que se viu e ouviu, nomeadamente de Jardim e acólitos, a sua visita foi meramente tolerada. Pode ter-lhe rendido votos, mas diminuiu-o perante o líder regional e aos olhos de um país que não se revê e já nem sorri com os seus métodos e atitudes.
Ao menos, o presidente do PSD podia ter-se poupado em elogios e aplausos imoderados a Jardim e ao seu bailinho, no qual, como toda a gente sabe desde sempre, só há uma estrela que dança. E que brilha cada vez mais pelas piores razões.
Um ministro no ‘deserto’
Pouco a pouco, Alcochete impõe-se como alternativa à Ota para a construção do futuro aeroporto. O ministro das Obras Públicas já não grita contra o “deserto” e até vai lembrando que não foi ele que escolheu a Ota (‘Diário Económico’). É certo. Só que ninguém como ele fez a sua defesa apaixonada e, sobretudo, ninguém como ele desvalorizou tão brutalmente qualquer opção na margem sul. Ora, ainda que, ao tempo desse discurso inflamado, fossem outras as alternativas sobre a mesa, Alcochete fica, tal como Poceirão ou Rio Frio, no tal “deserto” a que se referia o ministro.
Claro que Mário Lino pode sempre colocar-se, como já uma vez se colocou, na posição do tecnocrata a quem pediram que fizesse um aeroporto na Ota – e que o fará também em Alcochete se for esse o pedido. Mas não ficará bem na fotografia, como, aliás, o primeiro-ministro não ficará depois de tanto se ter aplicado na solução Ota, que agora se afigura a mais cara, a mais complexa e a mais inadequada. O problema, para Mário Lino, é que um Governo sobrevive bem sem um ministro e não sem o primeiro-ministro.
O facto de o Ministério da Defesa já ter feito saber que deixará o campo de tiro se Alcochete for a opção é um bom indício de que o Executivo não se colocou na posição de levantar obstáculos artificiais. Espera-se que seja essa a sua atitude até ao fim do processo. Mais vale uma boa derrota do Governo com a perda de um ministro no deserto do que, por força da sua teimosia, uma má opção para o país.
Bajulação ou folclore?
Pacheco Pereira tem razão: “O problema é que já não nos respeitamos a nós próprios” (blogue “Abrupto”). Quando uma jornalista do serviço público de televisão se apresenta nos preparos em que Márcia Rodrigues se apresentou na sexta-feira a fazer uma entrevista ao embaixador do Irão em Lisboa (toda vestida de preto e cinza, lenço na cabeça e luvas pretas), o que está a fazer é isso mesmo: desconsiderar-se a si própria. E como naquela circunstância representa a RTP, é a televisão do Estado português que fica em xeque.
Não se percebe o que pode levar uma profissional experiente a tomar a iniciativa de se apresentar assim, não numa rua de Riade, ou numa entrevista a um dignitário saudita no palácio real, mas numa embaixada em Lisboa. Pelo que se sabe, ninguém lho pediu – e, se tal acontecesse, a única resposta digna seria a peremptória recusa de levar a sobriedade ao extremo de um ostensivo disfarce.
O excesso de zelo pode matar de ridículo. E são os sinais de mimetismo e adulação – para não dizer de rendição – em pequenos gestos deste tipo que nos diminuem aos olhos de quem queira diminuir-nos. Enquanto jornalistas, enquanto cidadãos e enquanto membros de uma sociedade que, com todos os seus defeitos e sem precisar de sobrevalorizar os méritos próprios, tem muitos de que só pode orgulhar-se. Não precisa, pois, de envergar vestes alheias nem de se vergar a outras culturas.
Na ausência de explicações, o caso só pode resultar da mais pura subserviência, ou de folclorismo diletante. Que a televisão pública patrocine ou condescenda com tais exercícios, isso é que só se pode lamentar.
Por: Fernando Madrinha